Nos últimos anos, o governo do Ceará tem investido fortemente em operações policiais de grande visibilidade, muitas vezes acompanhadas por ações midiáticas que destacam prisões, apreensões e confrontos com facções criminosas. A lógica é clara: mostrar “força” e reafirmar o monopólio da violência do Estado. No entanto, segundo o pesquisador Johnson Sales, da Universidade Federal do Ceará e do Laboratório de Estudos da Violência/LEV(UFC), esse enfoque repressivo é insuficiente e, em alguns casos, contraproducente. Em sua dissertação "As peculiaridades da Violência: Aventuras e Maneiras de Fazer o Crime no Ceará", Johnson revela que o crime no Ceará é muito mais do que ações isoladas de delinquência. Trata-se de uma cultura, um estilo de vida para jovens das periferias, que oferece pertencimento, identidade e até um tipo peculiar de inclusão em territórios onde o Estado e o mercado lícito estão ausentes ou são excludentes.
O pesquisador apresenta algumas críticas e sugestões relativas às politicas públicas e ações governamentais de enfrentamento ao crime e à violência no Ceará:
Moralidade em disputa
As operações policiais espetaculares, embora visíveis e propagandeadas, não atacam a raiz do problema. Elas reproduzem o ciclo de violência e reforçam a narrativa de poder das facções, que se beneficiam do espetáculo para afirmar sua força nas periferias.
Sugestão: O foco deve migrar para a prevenção social. Em vez de apenas cercar territórios, é necessário investir em políticas culturais, esportivas e educativas que deem alternativas reais à juventude, oferecendo caminhos de pertencimento e renda legítima.
Falhas no sistema prisional
O sistema prisional cearense enfrenta superlotação e condições que favorecem o recrutamento interno das facções, reforçando a perpetuação da violência. A prisão é tratada como fim em si mesma, e não como etapa de recuperação social.
Sugestão: Implementar programas de justiça restaurativa, penas alternativas e qualificação profissional dentro das unidades, reduzindo o ciclo de reincidência e enfraquecendo o poder das facções dentro das prisões.
Ausência de políticas territoriais integradas
O governo ainda falha em ocupar territorialmente as periferias de forma estruturada. A ausência de presença estatal, combinada à falta de investimentos em educação, cultura e economia, cria um vácuo de poder que as facções exploram com facilidade.
Sugestão: Desenvolver planos territoriais de prevenção à violência, integrando urbanismo, cultura, educação e segurança comunitária. A presença do Estado e do mercado lícito deve ser contínua e não episódica.
Espectro cultural negligenciado
A violência também é uma questão de narrativas e pertencimento. Programas que não consideram a cultura local e a sociabilidade juvenil acabam sendo inócuos.
Sugestão: Criar centros culturais comunitários, editais para artistas periféricos e atividades de valorização cultural, oferecendo alternativas simbólicas e reais à adesão às facções.
Conclusão
A violência no Ceará não se resolve apenas com operações policiais e propagandas de força. Como mostra o autor, é preciso entender o crime como cultura e sociabilidade, atacando suas raízes sociais e territoriais. Um enfrentamento efetivo exige políticas integradas de educação, cultura, inclusão econômica e governança local. Só assim será possível transformar territórios de morte em territórios de vida.
Cosmos Filho.
Referência
SOUSA, Manoel Johnson Sales. "As peculiaridades da Violência: Aventuras e Maneiras de Fazer o
Crime no Ceará". Dissertação (Mestrado em Sociologia) – Universidade Federal do Ceará, Fortaleza, 2019.
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