Valores, pensamento no longo prazo e
cuidado na relação com a comunidade são características intrínsecas aos
institutos e fundações empresariais.
Estrutura de planejamento, estabelecimento de metas e mensuração de resultados integram a rotina das empresas.
A união, portanto, dessas qualidades complementares certamente poderia ser chamada de evolução.
Apesar de não estar totalmente
consolidada, essa noção vem tomando corpo ao longo dos últimos 20 anos,
desde a ascensão do terceiro setor até o entendimento mais amplo da
noção de sustentabilidade.
De acordo com Fernando Rossetti, secretário-geral do Grupo de Institutos Fundações e Empresas (GIFE),
esse processo gerou uma confusão conceitual. “Há uma mudança completa
no papel do investimento social privado. Algumas empresas já fizeram
essa mudança, outras estão tateando o campo e outras ainda nem
começaram. Quando surgiu o termo sustentabilidade, tinha-se a sensação
de que o investimento social seria apenas mais um ‘penduricalho’, à
parte da gestão do negócio”, recorda.
Hoje, o questionamento inevitável é: se a
empresa deve ser, de fato, um ator social, manter institutos ou
fundações como um ‘braço social’ torna-se contraditório?
Divulgado durante o último congresso do GIFE, em março deste ano, o estudo O Papel dos Institutos e Fundações na Atuação Socialmente Responsável da Empresa vem lançar luz sobre a questão. “Se
pensarmos que o investimento social privado corresponde a uma parte da
consciência da empresa, esse recorte não pode ser feito, não se divide a
consciência de um ser. Muitas empresas estão intuindo que em seus
institutos e fundações há conhecimentos, habilidades e estratégias
significativas a serem incorporadas. Essa é uma possibilidade. Porém,
continua o desafio de reconhecê-los e, além disso, se apropriarem e
reintegrarem essas identidades à sua própria identidade”, diz o
documento.
As maneiras como as organizações estão
realizando esse processo e as mudanças no que diz respeito à integração
do investimento social privado no core business são algumas das discussões desta reportagem especial.
Evolução conceitual
No
início dos anos 90, o terceiro setor era visto como destinação certa
para o investimento social das empresas, muito ligado à questão da
filantropia. Em 1994, o livro de Lester Salamon, The Emergent Nonprofit Sector,
representou um marco na pesquisa metódica e seu resultado chamou a
atenção de estudiosos da Economia, Sociologia e do setor público por
mostrar como grandes economias movimentavam recursos e geravam empregos a
partir de suas organizações da sociedade civil.
“Esses estudos foram objeto estratégico para influenciar a mudança no Departamento de Estatísticas da Organização das Nações Unidas (ONU) que, desde 1948, utilizava uma metodologia para contas nacionais excluindo o terceiro setor. No Brasil, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE)
publicou, em 2004, o primeiro trabalho abrangente sobre o tema, com
colaboração do GIFE”, conta Luiz Carlos Merege, presidente do Instituto de Administração para o Terceiro Setor (IATS).
No início da década de
2000, houve uma valorização das ações sociais pelas empresas. Esse
cenário influenciou movimentos de pensadores que vinham falando sobre a
necessidade de o segundo setor ir alem do objetivo principal da geração
de lucro e produção de bens. “As empresas passaram a investir de forma
crescente em seus projetos sociais por meio de fundações ou da criação
de uma área específica dentro da organização, seguindo a linha de
pensamento do Instituto Ethos”, lembra Merege.
Havia, entretanto, uma discussão sobre a
necessidade de independência desse investimento, e muitas adotaram o
modelo americano de criação de institutos, constituindo um corpo de
trabalho totalmente separado – um modelo hoje em fase de transição.
“Há uma mudança significativa na atuação
das fundações e no próprio olhar da empresa sobre elas, que representam
um elemento de capilaridade e muitas vezes estão trabalhando
diretamente com o público-alvo. O conhecimento revertido para a gestão
de negócios tem aumentado cada vez mais e se tornado mais
significativo”, destaca Marina Grossi, presidente-executiva do Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável (CEBDS).
À medida que o conceito de
sustentabilidade ganha força, a dissociação entre investimento social e o
cerne dos negócios começa a se mostrar incoerente.
“O distanciamento entre empresas e
institutos é cada vez menor. Não faz mais sentido a percepção de que
estar próximo poderia caracterizar interesse da empresa com vistas ao
negócio e não com foco no interesse público. Tornou-se evidente que a
parceria fortalece a atuação do instituto e vice-versa, isto é, pode
contribuir para a sustentabilidade do negócio”, avalia Wilson Mello,
vice-presidente de Assuntos Corporativos da BR Foods.
As empresas mais evoluídas já consideram
o pilar social de maneira integrada ao seu negócio, em seus produtos,
no dia a dia. “Começo a concordar que as organizações sem institutos
talvez não venham a criá-los devido à crença da questão social já estar
contemplada pela sustentabilidade. Ainda vivemos um momento onde tudo
está meio esquizofrênico. Mas, se reconhecermos que estamos trocando o
pneu com o carro em movimento, há uma perspectiva otimista“, pondera
Graziella Comini, professora-doutora da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade (FEA/USP) e coordenadora do Centro de Empreendedorismo e Administração em Terceiro Setor da Fundação Instituto de Administração (Ceats/FIA).
Troca de ideias e ideais
Até
pouco tempo atrás, quando uma empresa pensava em uma nova instalação em
uma comunidade, por exemplo, pouco conhecia do seu dia a dia e de como
suas obras poderiam influenciar o espaço.
Aos poucos, desenvolveu-se a percepção de que as fundações e institutos próximos a esses stakeholders poderiam oferecer uma visão de planejamento mais adequado às ações, reduzindo riscos para o negócio.
Com uma cobrança maior por parte da
sociedade, agregar valores comunitários também passou a trazer ganhos de
imagem para a empresa. O setor privado viu-se diante da crescente
necessidade de avaliar ativos intangíveis.
O GIFE usa o termo “unidade de
inteligência social” da empresa para denominar uma fundação – justamente
a ideia de que repertório, competências e rede de relacionamentos
resultantes da natureza da atividade comunitária podem ser úteis para o
negócio. “Um banco que está pensando em produtos financeiros para a nova
classe média brasileira pode chamar a fundação para ajudá-lo a conceber
isso da forma mais adequada ao público-alvo. Na área de infraestrutura,
a fundação pode contribuir para uma mineradora de impacto
socioambiental grande estruturar um plano para lidar melhor com a
comunidade e o meio ambiente. Então, por meio dessas competências, o
negócio pode tornar-se mais sustentável e manejar melhor os seus
impactos”, exemplifica Rossetti.
No sentido de absorver esse conhecimento inerente às fundações, o Instituto Camargo Corrêa tem atuado, desde 2007, no nível da holding
– alinhando o investimento social de 20 companhias do grupo. Cada
empresa se capacita e customiza um projeto do portfólio de acordo com a
própria realidade. Quando um processo tem início em determinada
comunidade, o instituto constitui um comitê para pensar formas de
envolvimento empresa/comunidade e identifica lideranças locais para
convidá-las a integrar o projeto. Após essa etapa, escolhe-se uma boa
prática já adotada no Brasil e o instituto promove a interação entre os
comitês, visitas e debates para replicagem do modelo. Há também oficinas
especificas para elaboração de projetos e a busca de parceiros locais.
“O grande desafio é fazer as empresas entenderem que a responsabilidade
social deve fazer parte dos negócios e não ser apenas um ‘braço’. E o
papel do instituto é mostrar os caminhos para envolvê-las e ajudá-las a
pensar no assunto”, destaca Francisco Azevedo, diretor executivo do
Instituto Camargo Corrêa.
Como
algumas empresas permanecem por muitos anos nas localidades onde atuam,
o desenvolvimento dessas regiões pode gerar diversos benefícios mútuos,
como a descoberta de talentos locais para trabalhar na própria
companhia.
“Preocupar-se com a elevação da
qualidade de ensino dos municípios é um investimento social descolado da
empresa diretamente, pois está se investindo na comunidade, em
princípio. Mas há interesse do negócio porque, na medida em que se eleva
a escolaridade de uma região, pode-se contratar mais facilmente,
evitando deslocamento e desistência de colaboradores.
Além disso, outras organizações –
inclusive concorrentes -, são beneficiadas com o aumento da qualidade da
mão de obra local”, reflete Ricardo Piquet, diretor-presidente da Fundação Vale. A empresa patrocina o Movimento HotSpot Brasil de incentivo a novos talentos em diversas área profissionais, com foco em inovação.
Por ter um olhar para o planejamento
mais efetivo no longo prazo, os institutos e fundações podem ampliar
essa consciência aos colaboradores da empresa, auxiliando na melhoria de
sua gestão. Quando uma nova indústria da Votorantim
vai ser aberta, por exemplo, o instituto trabalha junto ao negócio
diagnosticando impactos e oportunidades para alavancar o desenvolvimento
do território; questiona, entre outros aspectos, quais ações são
necessárias para fazer com que os empregos gerados sejam ocupados por
residentes da região e, a partir disso, monta programas para sanar as
fragilidades identificadas.
Como o instituto entra em ação antes do
início da obra e pode permanecer após a sua saída, também investe em
ações para evitar a dependência da comunidade da empresa. “A presença da
companhia gera crescimento econômico por natureza. Percebemos isso
observando os indicadores dos municípios. Nosso desafio é transformar
esse processo em desenvolvimento sustentável”, destaca Rafael Gioielli,
gerente de Pesquisa e Desenvolvimento do Instituto Votorantim.
Com o programa Futuro em Nossas Mãos,
o instituto qualifica colaboradores da comunidade – principalmente para
a construção civil -, e acaba absorvendo esses profissionais por meio
da articulação com os parceiros de construção de suas fábricas. Já o
programa Evoluir forma jovens para postos de trabalho dentro da
empresa: eles estagiam em outras unidades e voltam para a comunidade no
início da operação. “Para a empresa isso é muito importante porque não
precisamos levar funcionários de outras regiões”, destaca Gioielli.
O Instituto Votorantim foi criado em
2002 com o objetivo de qualificar e definir o foco do investimento
social do grupo. “A Gerência Geral de Sustentabilidade da empresa
estipula os projetos socioambientais dentro do ciclo de planejamento
estratégico para todos os negócios, enquanto o instituto participa da
elaboração dos temas e fornece as metodologias e tecnologias adequadas
para desenvolvê-los no âmbito social”, destaca David Canassa, gerente
geral de Sustentabilidade da Votorantim Industrial.
Para viabilizar seus projetos, o
instituto prepara funcionários da empresa para a gestão em cada unidade
de atuação. Nesse processo, os colaboradores também começam a ter noção
da importância de considerar os aspectos socioambientais para o sucesso
do negócio. “No desenvolvimento de uma planta nova, por exemplo, um
engenheiro pensará na logística para a produção sair da fábrica e chegar
à estrada da forma mais rápida, podendo desconsiderar os impactos na
comunidade. É o papel dele. O instituto consegue enxergar que, muitas
vezes, é preciso fazer um desvio, pois a empresa pode ter prejuízos
posteriores, como ações de indenização das famílias afetadas”,
exemplifica Gioielli.
Esse cuidado no planejamento,
considerando os impactos no longo prazo, é crucial para a perenidade dos
negócios. “Se uma empresa não entende sua realidade como um todo,
sofrerá as consequências dessa falta de conhecimento. Qualquer companhia
cuidadosa está construindo relações de respeito para não correr esse
risco”, enfatiza Christopher Pinney, senior fellow do The Aspen Institute, voltado ao fomento de valores com base em liderança e na discussão de questões sociais críticas.
Com base no trabalho que vem realizando
nos Estados Unidos, Pinney identificou que o grande potencial das
fundações está justamente em educar a companhia para a realidade social
na qual ela opera e ajudá-la a entender onde precisa mudar seu
comportamento para tornar-se mais efetiva. “Há um grande espaço para os
institutos desempenharem um papel mais catalisador. No modelo
tradicional, eles operam completamente separados da empresa. Agora,
precisamos de um alinhamento muito maior”, avalia.
Porém, tanto institutos e fundações como
as áreas de sustentabilidade das empresas começaram apenas recentemente
a exercer alguma influência sobre a gestão dos negócios. E, na medida
em que se profissionalizam, desempenham um papel fundamental para a
concepção de projetos integrados.
A partir da evolução dos conceitos, o Instituto Algar
readaptou sua estrutura de atuação. “Evoluímos nosso trabalho quando
nossa responsabilidade passou do investimento social privado para a
sustentabilidade. Há cinco anos o instituto é responsável, em todo o
grupo, pelo programa de sustentabilidade na gestão dos negócios”,
destaca Camila Fioranelli, coordenadora interina do Instituto Algar. O
programa Algar Sustentável, sob sua coordenação, estabelece um comitê focado no tema em cada empresa, composto por um colaborador de cada área.
Segundo Pinney, nos EUA esse tipo de
alinhamento entre a corporação e o instituto tem crescido
significativamente. Companhias como IBM desenvolvem
ações conjuntas nos níveis de filantropia, instituto e empresa,
construindo uma rede dinâmica e eficiente. “A grande vantagem de se ter
uma mediação fora da companhia é a criação de um canal de comunicação
mais aberto, transparente e com maior credibilidade”, avalia.
Desafios e soluções em rede
Cada
vez mais a atuação dos institutos e fundações estará em consonância com
as estratégias de suas empresas mantenedoras. Entretanto, fazer com
operem dentro dos padrões tradicionais do mundo corporativo poderia
significar um erro, até porque o modelo de gestão tradicional das
empresas ainda encontra-se atrasado em relação às questões
socioambientais. Por outro lado, alguns aspectos práticos dos negócios
podem contribuir para uma atuação mais efetiva de seus institutos. O
desafio é construir linguagem e dinâmica conjuntas.
“A mentalidade dos dois grupos é de
independência e segmentação. Pouco a pouco novas brechas estão sendo
abertas – de forma ainda muito tímida, se pensarmos no potencial de
sinergia e na geração de novos negócios”, reflete Luiz Ros, gerente da
área de Oportunidades para a Maioria do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID).
Profissionais que hoje
atuam nas fundações e vieram do terceiro setor podem não ter tanta
abertura na hora de tratar da integração com o setor privado. “Eles
muitas vezes tendem a desprezar ou não colocar a relação com a empresa
como prioridade, preferem a postura de ‘deixa que eu faço e quanto menos
intromissão, melhor’. Nessa ânsia por autonomia, muitas vezes
descolam-se do negócio. Mas o entendimento é muito importante para
disseminar o que a fundação está fazendo, envolver e conscientizar
colaboradores em outro nível, não apenas por meio do voluntariado”,
destaca Graziella, do Ceats/FIA.
O movimento de conscientização na
maneira de fazer negócios ainda não chegou à dimensão formal das
empresas, mas já está latente nos profissionais que as compõem. Segundo
Rossetti, do GIFE, as trocas existentes e a riqueza do relacionamento
evidenciam que essa separação é apenas um jeito antigo de pensar e agir
e, na medida em que evoluírem, trarão benefícios a todos. “Ainda há
necessidade de aprender muito mais com a escuta da comunidade sobre a
humildade necessária para lidar com processos complexos como educação,
saúde pública e meio ambiente. As soluções para esses problemas não são
simples”, avalia.
A mudança da cultura organizacional, que
abrange desde a percepção de tempo à razão de existir, pode ser lenta.
Porém, não há mais tantas resistências. Nesse sentido, o Instituto
Votorantim desenvolveu, em 2008, a metodologia de Engajamento das Partes Interessadas,
com a aplicação de cases-piloto, em 2009 e 2010. “Durante esse
processo, integrantes da atual Gerência Geral de Sustentabilidade
estiveram junto com o instituto nas operações para a aplicação in loco.
Ajustes foram feitos e hoje temos uma metodologia padrão para todos os
nossos negócios”, revela Canassa, da Votorantim Industrial.
Nessa integração entre empresa e instituto, alguns cuidados devem ser observados. Para Graziella, do Ceats, a energia de business
de “tudo para ontem” pode atropelar o ritmo das fundações, fazendo com
que se perca a sua contribuição mais preciosa: as parcerias arranjadas
com cautela e no tempo certo. Outras características como negociação,
trabalho colaborativo e o olhar cuidadoso para as necessidades do outro
fazem parte do planejamento estratégico de uma fundação.
“O foco da empresa em resultado é muito
positivo. O lado negativo é usar a mesma noção para o tempo: ou seja, o
resultado no curto prazo. No social não se obtém isso: precisam-se
considerar as diferentes métricas, tempos e movimentos. O receio também é
trazer pessoas do negócio que desconhecem a dinâmica social, muito mais
colaborativa, participativa e lenta no processo decisório.”
Mostrar o resultado dessa integração
para estimular o trabalho das empresas também representa um desafio. É o
que o Instituto Camargo Corrêa visa fazer estruturando um estudo de
caso – no município de Pedro Leopoldo (MG) – que evidencie os benefícios
do investimento social para o poder público, sociedade e,
principalmente, para o negócio.
A unidade de cimentos da empresa
instalada na região teve a maior produtividade no ano de 2011 –
exatamente quando mais investiu no social e mais funcionários foram
envolvidos nos projetos. “A própria pesquisa de clima corporativo já
apontou uma melhoria significativa depois do investimento social. Hoje,
ainda são raros os exemplos evidentes, mas esperamos com isso estimular
cada vez mais as empresas a investirem nessa interação”, destaca
Azevedo, do Instituto Camargo Corrêa.
Colocar na ponta do lápis essas
melhorias é o caminho para estimular os trabalhos em parceria e mudar o
olhar das empresas sobre suas fundações. “O fato de se estar precisando
melhorar esses dados permite também que a empresa consiga enxergar
aquilo como parte de seu negócio”, avalia Marina Grossi, do CEBDS.
Para engajar de fato os colaboradores,
os temas socioambientais não podem estar distantes do seu dia a dia. “A
empresa e as pessoas sentem-se envolvidas quando o tema tem a ver com o
que fazem. Estamos em um momento na sociedade no qual temos de aprender
muito com a experiência de cada um, precisamos nos considerar parte do
problema e da solução. Por isso é muito importante criar estratégias
para que se consiga fazer esse debate dentro da empresa”, destaca
Graziella.
Sair do discurso e ir para a prática
representa outra fronteira a ser ultrapassada – particularmente pelos
institutos. “O desafio é ir além de um discurso poético, apesar de a
crença ser muito importante. Mas o instituto, hoje, é tratado como parte
do negócio e precisa dar resultado. A diferença é que o resultado dele
não está no lucro, e sim na evolução dos projetos”, avalia Eliane Garcia
Melgaço, vice-presidente de Marketing e Sustentabilidade da Algar.
Repensando o terceiro setor
Com
a ascensão da sustentabilidade, muitas rupturas aconteceram dentro e
fora do âmbito de atuação das empresas. Agora, fundações e institutos,
juntamente com o terceiro setor, precisam rever seus papéis. “Se no
caminho de tornarem-se cada vez mais atores sociais as empresas
incorporarem muito do que os institutos e fundações fazem hoje, de certa
forma essas instituições não precisariam mais existir; no entanto
poderiam rever sua vocação”, pontua o estudo do GIFE.
E, na medida em que os negócios
redirecionam seus recursos para institutos e fundações, o terceiro setor
perde voz; perde seus profissionais qualificados para as empresas, onde
passam a receber salários mais altos. Surge aí um ponto que exige
reflexão, justamente para que esse processo não se torne mais um aspecto
negativo do mundo globalizado. Há uma crise na captação de recursos
pelo terceiro setor gerada exatamente pelo novo posicionamento das
empresas.
“Atualmente, há uma tendência cada vez
maior de as companhias investirem em seus projetos empresariais.
Precisaríamos de um estudo estatístico para saber se elas investem na
esfera social por meio de fundações e institutos, mas o investimento
privado no terceiro setor diminuiu depois do movimento da
sustentabilidade. Hoje, as organizações da sociedade civil estão se
debatendo em busca de recursos”, alerta Merege, do Iats.
Uma saída está na profissionalização das
ONGs para que busquem outras formas da captação financeira e
diversifiquem suas fontes de forma eficiente. “Do ponto de vista
estratégico seria importante que as empresas se unissem às ONGs nas
comunidades para obterem resultados mais velozes por meio dessas
parcerias. O governo também não despertou para a importância das
organizações da sociedade civil como forma de investir”, avalia Merege.
Nessa
fase de transição do papel das ONGs, as empresas podem ajudar muito na
melhoria de gestão, de acordo com Pinney, do Aspen Institute.
“Ambos os lados devem ser claros sobre
seus objetivos e encontrar metas comuns nos projetos, além de
estabelecer como vão medir o progresso nesse sentido. Então, há alguns
passos básicos para negociar uma boa parceria – e nisso as empresas têm
experiência.”
A Ford Foundation é um
exemplo de fundação que conseguiu caminhar com as próprias pernas e
contribuir para a sociedade. Criada por Edson Ford, em 1936, tornou-se
completamente independente a partir de 1972. Ao longo dos anos, tem
documentado as formas como as comunidades colaboram para a gestão de
recursos naturais, principalmente nas florestas.
Pablo Farias, vice-presidente do programa Ativos e Oportunidades Econômicas
da Ford Foundation, conta como as comunidades da Amazônia têm ajudado
na redução do desmatamento, tanto pelo reconhecimento de sua importância
e dos direitos dos indivíduos quanto pelo entendimento de que o manejo
das florestas é central para criar novas políticas e mecanismos para o
gerenciamento desses recursos. “Esse tipo de capacidade é única da
filantropia – ter flexibilidade para atuar sem as restrições do espaço
governamental e identificar onde a inovação está acontecendo. Nenhum
outro ator tem capacidade de fazer isso. Nesse processo, as empresas
desempenham um papel chave para estreitar diferentes vozes da sociedade
civil”, avalia.
Futuro compartilhado
Diante
de um quadro que começa a exibir contornos mais evidentes, algumas
possibilidades se explicitam para o futuro. Empresas inteiramente
sustentáveis ainda são utopia, mas podem deixar de ser. Mesmo assim,
parte delas deve manter seus institutos.
E, outra parte, também deve manter o
investimento social de forma dissociada da empresa. Para Graziella, do
Ceats, gerir uma empresa e, ao mesmo tempo, manter certa autonomia para
lidar com a dinâmica social podem ser atividades complementares.
“A sustentabilidade acabou unindo dois
lados, incorporando às empresas ações de institutos – às vezes de
maneira abrupta. Agora, com o movimento mais maduro e as estratégias de
sustentabilidade no core business, essas instituições terão mais asas para voar no sentido de resolver objetivos sociais”, pondera.
De qualquer forma, um olhar integrado
será essencial para a perenidade dos negócios e da sociedade como um
todo. “A questão fundamental é que, atualmente, as tarefas para os
nossos países são muito grandes. Quando se pensa em educação, saúde e
capacitação profissional, o setor privado também precisa refletir de
forma inovadora em como contribuir para lidar e resolver esses problemas
graves. O conhecimento deve ser compartilhado no sentido da criação de
novas modelagens de negócios – algo muito pouco explorado, ainda em
estágio inicial”, avalia Ros, do BID.
Nesse sentido, o Banco Interamericano de Desenvolvimento auxiliou um caso de sucesso junto à Pepsi,
no México. A empresa queria reduzir a quantidade de gordura saturada de
seus produtos e, para isso, necessitava de novos provedores de óleo
vegetal. Por meio de uma ação conjunta com sua fundação, alcançou o
objetivo. Além disso, muitos seguimentos negligenciados podem
proporcionar negócios inovadores. “Desse modo, a empresa atua de forma
complementar – unindo filantropia e área de negócios, construindo novas
relações e ofertando novos serviços. Assim, consegue-se um impacto
social muito maior do que temos visto até hoje”, destaca Ros.
Aqui no Brasil, o Instituto Votorantim conta com parcerias como a do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES)
para projetos visando alavancar a geração de trabalho e renda nos
municípios em que atua, por meio de sua capilaridade. “Não vamos
substituir o papel do Estado, e sim ajudar a prefeitura a viabilizar o
que necessita. Existem recursos disponíveis para obras de saneamento,
por exemplo, mas não há um plano e um projeto executivo para acessá-lo.
Então, a empresa auxilia na compreensão das linhas de financiamento, em
como buscar recursos para fazer as obras necessárias ao município e a
prefeitura vai atrás”, destaca Gioielli, do Instituto Votorantim.
Também seguindo essa linha de trabalho conjunto, o Instituto BR Foods
coordena a gestão do investimento social da empresa atuando em três
frentes estratégicas: redes intersetoriais, terceiro setor e políticas
públicas. Em 2013, pretende dar início a mais um ramo de atuação:
empregabilidade e empreendedorismo. “Acreditamos que essas quatro
frentes sejam promotoras de desenvolvimento em um município. Não há uma
receita pronta, mas algumas ‘avenidas’ que, se fortalecidas, ajudarão o
local a encontrar sua própria concepção de desenvolvimento”, destaca
Luciana Lanzoni, diretora executiva do Instituto.
O incentivo fiscal para projetos
público-privados pode ser uma boa solução nesse sentido – desde que não
pensado de forma utilitarista, principalmente em períodos eleitorais.
“Se existem políticas públicas consistentes para engajar a sociedade, o
resultado é positivo. O incentivo fiscal é uma ferramenta muito
importante, mas o Estado precisa estar estruturado para usá-la bem,
senão acaba acontecendo simplesmente uma apropriação privada de dinheiro
público”, pontua Rossetti, do GIFE.
Para Merege, do Iats, a ideia dos três
setores trabalhando em conjunto precisa amadurecer, a exemplo do que
aconteceu na cidade de Jacksonville, na Flórida (EUA), onde há mais de
30 anos se tem essa visão para melhorar a qualidade de vida da
comunidade com base em uma metodologia de indicadores em nove dimensões –
entre elas, sociabilidade, saúde e segurança. A cada ano a cidade
mensura dados, avalia o cenário e discute onde governos, empresas e ONGs
podem atuar. “Em alguns países como Itália, Espanha e EUA existem
exemplos impressionantes de como a união entre os três setores pode
modificar a realidade numa velocidade muito grande”, ressalta. A ideia
de que a união faz a força, afinal, apesar de chavão, faz muito sentido.