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quarta-feira, 15 de maio de 2013

Noite quente!



Quente! Como ajustar-se? E lia vagarosamente o interessante "Ruido Branco" de Don Delillo. Noite quente! O vento recusava-se a circular por entre as casas mal pintadas do suburbio. Na pia da cozinha ainda esperavam para serem limpas duas taças e uma bandeja. Quente! Lembranças quentes teimam em disputar a atenção necessária para degustar a literatura que exige concentração. Afinal, segundo o The New York times a grande particularidade de "Ruido Branco" é sua compreensão e percepção da trilha sonora dos Estados Unidos, incluindo o som sempre presente do tráfego da auto-estrada, um murmúrio remoto e constante que contorna nosso sono, como almas mortas balbuciando nas margens de um sonho. Para extrair tamanha sensação de uma leitura, é preciso concentração. E tá difícil nessa noite quente.

Don Johnson de Sales.

Funk, Brega, Religião e Estética em Ruth Benedict (?)


Ruth Benedict, escreve, em Padrões de Cultura: "O grandioso período da arte plástica da Europa foi motivado religiosamente. A arte pintou e tornou propriedade comum as cenas religiosas e os dogmas, fundamentais no ponto de vista desse período. A estética europeia moderna teria sido absolutamente outra se a arte medieval tivesse sido puramente decorativa e não tivesse feito causa comum com a religião.

A autora aborda essa questão para tratar da necessidade de não se generalizar como lei social geral resultados de uma fusão local de feições culturais. Ruth Benedict também está preocupada em alertar para que não se tome como fenômeno universal, determinada união local. Ou seja, não se passe a acreditar a partir do conhecimento e análise da arte européia nesse dado período e contexto que a arte e a religião apresentem-se universalmente com essas feições fundidas. Afinal, lembra Benedict:

 No ponto de vista puramente histórico têm-se, no campo da arte, dado grandes acontecimentos notavelmente alheios à motivação e à utilização religiosa. A arte pode manter-se definitivamente alheia à religião, mesmo onde uma e outra atingiram alto desenvolvimento.

A autora afirma que "nos povos do sudoeste dos Estados Unidos as formas de arte da olaria e dos tecidos provocam grande respeito nos artistas de qualquer cultura, mas os seus vasos sagrados usados pelos padres ou próprios dos altares são inferiores, e as decorações, rudes e não estilizadas. Nalguns museus têm-se se posto de parte objetos religiosos do sudoeste por estarem muito abaixo do nível tradicional de habilidade. 

Segundo  a  autora, para os indíos Zuñis as exigências religiosas eliminam toda a exigência de perfeição artística. Ruth afirma ainda que outros povos como certas tribos da América do sul e da Sibéria também fazem essa distinção e não usam a habilidade artística para servir a religião.

Seria possível aplicarmos a mesma lógica utilizada por Ruth Benedic em relação às artes plásticas e a religião, para analisarmos outras manifestações e principalmente expressões artísticas contemporâneas?

Tal discussão é muito importante, ainda mais, se a trazemos para nossa época e para o contexto atual de nossa cultura local. No Brasil de nossos tempos temos grande inclinação para associar, ou na maioria das vezes, resistir a desassociar, determinada expressão artística, ritmo ou manifestação cultural das motivações, e ou mesmo dos temas, aos quais aparecem fundidos ou entrelaçados. Nossa sociedade, ou amplas frações desta, tem "defenestrado" várias manifestações culturais e artísticas populares por incapacidade de vê-las separadas dos discursos, motivações e da estética predominante nas mesmas atualmente.

O RAP, o funk, o forró, o pagode, a música brega, a pixação, são expressões artísticas que se enquadram facilmente num campo de estudos que leve em conta esses argumentos de Ruth Benedict. Isso se tivermos a generosidade e ou o alcance intelectual necessários para adaptar tais argumentos a novos, atuais e desafiadores objetos de estudo.

Tal empreitada seria possível?



SOBRE VERDADE E MENTIRA NO SENTIDO EXTRA-MORAL

 
Em algum remoto rincão do universo cintilante que se derrama em um sem-número de sistemas solares, havia uma vez em que animais inteligentes inventaram o conhecimento. Foi o minuto mais soberbo e mais mentiroso da "história universal": mas também foi somente um minuto.

O intelecto, como um meio para a conservação do indivíduo, desdobra suas forças mestras no disfarçe.

No homem essa arte do disfarçe chega a seu ápice; aqui o engano, o lisonjear, mentir e ludibriar, o falar-por-trás-das-costas, o representar, o viver em glória do empréstimo, o mascarar-se, a convenção dissimulante, o jogo teatral diante de outros e diante de si mesmo, em suma, o constante bater de asas em torno dessa única chama que é a vaidade, é a tal ponto a regra e a lei que quase nada é mais inconcebível do que como pôde aparecer entre os homens um honesto e puro impulso à verdade.

O mentiroso usa as designações válidas, as palavras para fazer aparecer o não-efetivo; o que odeiam, no fundo não é a ilusão, mas as consequências nocivas, hostis, de certas espécies de ilusões.

O que é uma palavra? A figuração de um estímulo nervoso em sons.

Acreditamos saber algo das coisas mesmas, se falamos de árvores, cores, neve e flores, e no entanto não possuímos nada mais do que metáforas das coisas, que de nenhum modo correspondem às entidades de origem.

Todo conceito nasce por igualação do não-igual. O conceito é formado pelo arbitrário abandono das diferenças individuais, por esquecer-se do que é distintivo, e desperta então a representação. A desconsideração do individual e efetivo nos dá o conceito.

O que é a verdade, portanto? Um batalhão móvel de metáforas, metonímias, antropomorfismos, enfim, uma soma de relações humanas, que foram enfatizadas poética e retoricamente, transpostas, enfeitadas, e que, após longo uso, parecem a um povo sólidas, canônicas e obrigatórias: as verdades são ilusões, das quais se esqueceu que o são, metáforas que se tornaram gastas e sem força sensível, moedas que perderam sua efígie e agora só entram em consideração como metal, não mais como moedas.

Tudo o que destaca o homem do animal depende dessa aptidão de liquefazer a metáfora intuitiva em um esquema, portanto de dissolver uma imagem em um conceito. Cada metáfora intuitiva é individual e sem igual e, por isso, sabe escapar a toda rubricação. O conceito é somente um resíduo da metáfora.

Nietzsche. 

Pedantismo desterrado




Existem léguas de conhecimento que percorridas metaforicamente por entre "monstros" como Hegel, Engels, Marx e Weber terminam por encontrar repouso igualmente magnânimo à sombra de "gigantes" como Patativa do Assaré, Zé da lata, ou mesmo qualquer senhor ou senhora sentado(a) confortavelmente em seu tamborete de couro de bode sobre o chão batido de alguma casa de taipa ou palha de algum rincão alhures do mundo físico, filosófico ou espiritual, do qual, todo o pedantísmo academicísta e burguês foi desterrado.

Elle est retrouvée! Quoi? L' éternité.

Ela foi encontrada!
Quem? A eternidade.
É o mar misturado
        Ao sol.

Minha alma imortal,
Cumpre a tua jura
Seja o sol estival
Ou a noite pura.

Pois tu me liberas
Das humanas quimeras,
Dos anseios vãos!
Tu voas então...

— Jamais a esperança.
Sem movimento.
Ciência e paciência,
O suplício é lento.

Que venha a manhã,
Com brasas de satã,
           O dever
           É vosso ardor.

Ela foi encontrada!
Quem? A eternidade.
É o mar misturado
       Ao sol.
 
Arthur Rimbaud.