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sábado, 29 de junho de 2013

Sobre Impulso, desejo e prazeres adiados.





Sem pressa ou ansiedade. Minha tranquilidade, disse ele, passa longe de desinteresse. O personagem "David" do filme "Vanilla Sky" de Cameron Crowe tinha como uma espécie de receita para a potencialização do prazer, o seu adiamento. David afirmava que gostava de manter as relações casuais ao máximo possível e entregar sua efetivação ou desfecho ao puro acaso. Hoje em dia, poucas pessoas conseguem degustar a vida com essa serenidade e paciência. Todos tem pressa demais e vivem os impulsos em detrimento dos desejos. O sociólogo polonês Zygmunt Bauman trata esse tema no seu livro "Amor Líquido" com uma elegante precisão. Ele afirma: "Semear, cultivar e alimentar o desejo leva tempo (um tempo insuportavelmente prolongado para os padrões de uma cultura que tem pavor em postergar, preferindo a satisfação instantânea"). O desejo precisa de tempo para germinar, crescer e amadurecer. Numa época em que o "longo prazo" é cada vez mais curto, ainda assim a velocidade de maturação do desejo resiste de modo obstinado à aceleração. O tempo necessário para o investimento no cultivo do desejo dar lucros parece cada vez mais longo — irritante e insustentavelmente longo". E o autor completa: "Com a ação por impulso profundamente incutida na conduta cotidiana pelos poderes supremos do mercado de consumo, seguir um desejo é como caminhar constrangido, de modo desastrado e desconfortável, na direção do compromisso amoroso". Mas para quem aprendeu ou pretende aprender  e apreender os sentidos de uma vida qualitativamente superior a que a modernidade nos impõe, priorizar, no devir afetivo, os desejos em relação aos impulsos, torna-se imprescindível. Por isso, calma. Degustemos a vida!


Por Don Johnson de Sales.



sexta-feira, 28 de junho de 2013

Confissões - de Darcy Ribeiro (trechos)





"As mulheres sempre me interessaram soberanamente. Desde que me lembro de mim, criança, ainda, me vejo embolado nelas. Carente, pedindo carinho. Encantado, querendo encantar. Quis ter muitíssimas, se conto as duas ou três que sempre tive em mente como senhoras dos meus desejos. Alcancei as graças de pouquíssimas. Uma pena.

Foram elas, são elas, o sal de minha carne, o gosto e gozo de meu viver. Marinheiro neste mundo, amor é o vento que sopra minhas velas nas travessias. Amando, navego por mares calmos e bravios, me sentindo ser e viver. Não posso é viver sem amor, desamado, na pasmaceira das calmarias; parado, bradando de ver o mar da vida marulhar à toa.

Um olhar trocado, instantâneo, me acende todo em expectativas. Antigamente, jovem, tímido demais, ficava nisso, esperando outra piscadela, com medo de que me fugisse, nem olhares me desse mais. Maduro, fiquei meio ousado, impaciente. Ao primeiro sinal de assentimento provável me precipito. Assusto, assim, muitas vezes, amores levemente prometidos; nem isso, apenas insinuados, que perco porque os quero ter ali e agora.

O amor é a mais funda, mais sentida e mais gozosa e mais sofrida das vivências humanas, e suspeito muito que o seja também para todo ser vivente.

Que força terrível a desse motor da vida que vibra em todo ser, forçando-o a transar, multiplicar, isso é a vida, esse clamor do desejo, essa confluência sem fim, esse gozo, ou a ruminação longuíssima da memória deles."

*Dedicado à bela da foto que emprestou sua estética e seu inquestionável poder de musa para sobrepor poesia visual ás palavras de Darcy Ribeiro.


Por Don Johnson de Sales. 


 

quarta-feira, 26 de junho de 2013

Pralem da social-democracia - As dificuldades da esquerda e da sociedade brasileira de passar essa fronteira



E então, estamos presos todos nós a uma lógica social-democrata? Seria o "Estado do Bem Estar Social" a idealização mais apurada de nossas aspirações sociais? Não conseguiremos nós, ir além do liberalismo? A imensa maioria das propostas e bandeiras levantadas nos protestos da Multidão pelas ruas do Brasil não ultrapassam os limites do liberalismo e se acomodam perfeitamente no cesto restrito do "Welfare State". A esquerda brasileira também não tem conseguido ir além. Até as pseudo-extrema-esquerdas não tem articulado palavras de ordem que possam romper essa lógica e ao mesmo tempo fazer algum sentido para a Multidão. De onde vem tal dificuldade? No próximo dia 11 de Julho, as centrais sindicais e os partidos de esquerda pretendem trazer o proletariado e os trabalhadores em geral para o o centro das manifestações por todo o País. Isso poderá modificar a qualidade das propostas. Ou não. Reivindicar políticas públicas, moralidade, endurecimento das leis, infraestrutura e benefícios sociais do governo é na verdade fortalecer o estado burguês e exigir sua "providência". Até o momento, toda a pressão se concentra no estado e nas suas limitações e ou "má vontades" para com as necessidades da Multidão. A elite capitalista tem passado quase despercebida aos olhos das manifestações que sacudiram o estado brasileiro e suas instituições. A primeira sinalização de uma mudança, ou uma ampliação, do alvo das lutas sociais foi dado pelo Partido dos Trabalhadores (PT) que anuncia que vai passar a apoiar a "taxação das grandes fortunas" que aliás, há muito tempo já encontra abrigo na nossa constituição e vem sendo ignorada até hoje. Bandeiras como esta tem o potencial de assustar os capitalistas, mas é preciso muito mais para modificar a pauta social-democrata e limitadamente liberal que reina exclusiva em nosso País. Talvez a entrada dos sindicatos na luta ainda fortaleça mais as reivindicações corporativas e não apontem para reivindicações mais ideológicas de classe. Ou quem sabe, suas reivindicações apontem para a participação nos lucros das empresas e para a gestão e a propriedade coletiva destas, tudo é possível. E também, se movimentos como o MST passarem a evidenciar a bandeira da Reforma Agrária e o fim do latifúndio nas terras brasileiras; e a Multidão atentar para a reversão das privatizações de FHC e PSDB e a suspensão das privatizações de Dilma e do PT, já estaremos mais próximos de uma pauta menos social-democrata e mais revolucionária. Mas ainda será pouco. Nossa sociedade, incluindo as esquerdas (de todos os tipos, crenças e cores) realmente sofre atualmente de uma grande dificuldade de ultrapassar os limites da contraditória democracia liberal burguesa. Quem sabe os anarquistas possam inspirar bons pensamentos em relação à supressão do estado e da propriedade privada dos meios de produção no Brasil. E se os socialistas e comunistas (os de verdade) conseguirem acordar junto com os gigantes (que pra mim são as classes perigosas que compõem a multidão), então talvez, possam colaborar com a orientação coletiva e cooperativa de novas lutas que se darão em um front mais avançado em relação às fronteiras do liberalismo e da social-democracia. Quem sabe? Tudo tá em disputa, nada tá definido. Lutemos! Pois só a luta muda a vida; a vida muda por você!

Por Johnson Sales.



Pierre Bourdieu, Ordem Social e Corpos Rebelados no Brasil





Segundo Pierre Bourdieu, "nós aprendemos pelo corpo. E a ordem social inscreve-se no corpo por meio desse confronto permanente, mais ou menos dramático, mas que sempre abre um grande espaço para a afetividade". Escreve Loic Wacquant em Corpo e Alma. Talvez tenhamos aqui uma chave importante para entender o desespero da mídia e da direita de nosso País em limitar as experiências corporais da juventude à atividades dóceis e pacíficas durante as manifestações de rua. Que aprendizados podem brotar das vivências duras dos confrontos com a polícia, do enfrentamento simbólico e sensorial com a propriedade privada dos capitalistas, com o patrimônio do estado burguês? Que afetividades podem emergir da solidariedade entre corpos atacados, feridos e presos enquanto lutam por seus direitos e pelos direitos de toda uma sociedade? E a ordem social, como vai se inscrever em corpos rebelados? Corpos rebeldes pedem uma nova ordem social; querem inscrições diferentes. Talvez por isso, não seja possível para a velha ordem inscrever-se nos corpos dos "vândalos". Talvez o "vandalismo" tão temido pela mídia, seja na verdade, o testemunho mais evidente da perda por parte dessa ordem social autoritária e elitista da capacidade de se inscrever nos corpos da juventude.

Por Johnson Sales


segunda-feira, 24 de junho de 2013

Marx sobre a Criação Artística e a Percepção Estética



"A produção [...] não se limita apenas a oferecer um objeto material à necessidade - também oferece uma necessidade ao objeto material. Quando o consumo se libera da sua grosseria primitiva e perde seu caráter imediato (e o fato mesmo de permanecer preso a ele seria ainda o resultado de uma produção prisioneira de um estágio de grosseiro primitivismo), o próprio consumo, como impulso, tem o objeto como mediador. A necessidade que experimenta desse objeto é criada pela percepção dele. O objeto de arte - como qualquer outro produto - cria um público capaz de compreender a arte e de fruir a sua beleza. Portanto, a produção não produz somente um objeto para o sujeito, mas também um sujeito para o objeto".



K.Marx. "Introdução [à crítica da economia política]". 
Em outra tradução, K. Marx, Contribuição à crítica da economia política..Ed. cit., p.248.


domingo, 23 de junho de 2013

Para melhor entender a "Multidão" que caminha pelas ruas do Brasil



"E a democracia não resulta de intervenções militares e mudanças de regime, nem dos vários modelos atuais de “transição para a democracia”, que geralmente se baseiam em algum tipo de caudilhismo latino-americano e se revelaram mais eficazes para criar novas oligarquias do que para criar qualquer sistema democrático. Todos os movimentos sociais radicais desde 1968 se têm insurgido contra essa corrupção do conceito de democracia, que a transforma numa forma de domínio imposto e controlado de cima”.

Este trecho pertence ao livro Multidão - Guerra e democracia na era do império. São de lá também os trechos seguintes:

"Em vez disso, insistem, a democracia só pode surgir de baixo. Talvez a atual crise do conceito de democracia decorrente de sua nova escala global sirva de oportunidade para que retornemos a seu significado mais antigo, como governo de todos por todos, uma democracia sem “se” e sem “mas” (“A democracia da multidão”).

"Os movimentos que expressam queixas contra as injustiças de nosso atual sistema global e as propostas práticas de reforma, constituem poderosas forças de transformação democrática, mas além disso precisamos repensar o conceito de democracia à luz dos novos desafios e possibilidades apresentados por nosso mundo".

"Essa reelaboração conceitual é a tarefa primordial de nosso livro. Não pretendemos apresentar um programa concreto de ação para a multidão, e sim tentar elaborar as bases conceituais sobre as quais se poderá firmar-se um novo projeto de democracia".

O livro de Michael Hardt e Antonio Negri traz inquietantes reflexões e teorizações que podem oferecer um importante lastro teórico para compreender e pensar o momento atual que o Brasil vive. Apreender os significados e significantes dessa aglomeração inquieta de pessoas, a qual os autores chamaram de Multidão, pode ser uma das tarefas mais urgentes para quem não quer perder o "trem da história" nem ficar tentando enxergar as manifestações em curso no Brasil por lentes ultrapassadas e inadequadas.

A Multidão 

"A multidão é um conceito de classe. As teorias de classe são principalmente duas, a da Unidade (ligada às teorias de Marx) e a da Multiplicidade (ligada ao Liberalismo). O pólo da Unidade está associado à tese de Marx de que na sociedade capitalista há um dualismo entre o proletariado e o capitalista. Já o pólo da Multiplicidade prega uma pluralidade de classes sociais. Ambas as teorias são verdadeiras, afinal na sociedade capitalista há a divisão entre capital e trabalho, mas a sociedade contemporânea compreende infinitas classes baseadas em diferenças econômicas, raça, etnia, geografia, gênero, etc. A classe é determinada não só pela luta de classes como também pela proposta de futuros possíveis lineamentos de lutas coletivas. Logo a classe não é apenas um conceito econômico e político, mas um conceito biopolítico. A multidão é encarada como uma multiplicidade irredutível, baseada nas condições de possibilidade, dos que podem tornar-se multidão, levando em conta que tipos de trabalho, formas de vida e localização geográfica não impedem a comunicação e a colaboração num projeto político comum".

Os autores falam também de "Inteligência de Enxame":
 
"Inteligência de enxame são as técnicas coletivas e disseminadas de solução de problemas sem controle centralizado, ou seja, são como forças independentes (baseadas fundamentalmente na comunicação) que focam em um mesmo objetivo sem o estabelecimento de um modelo global.O ataque em rede parece semelhante ao ataque de um enxame, porém, ao ser analisada a fundo, a rede é efetivamente organizada, racional e criativa, diferentemente do enxame. "

Multidão – Guerra e democracia na era do Império”, de Michael Hardt e Antonio Negri é sem dúvidas uma leitura recomendável para ajudar na compreensão do fenômeno da multidão que caminha atualmente pelas ruas das cidades brasileiras e põe "em xeque" as certezas da nossa jovem democracia, a sobrevivência e função social dos partidos políticos, a eficácia dos governos, e as verdades de várias gerações de militantes. Além de reacender ao mesmo tempo, as esperanças e desejos da elite e também do povo brasileiro, cada um do seu modo e guiado por interesses conflitantes. A Multidão pode ter soado o gongo da luta de classes no Brasil,  ou simplesmente, gerado para a direita uma oportunidade inesperada de avançar sobre as poucas e frágeis conquistas dos pobres e trabalhadores deste País. Seja como for, é um importante momento histórico que pede estudo, compreensão e ação. E esta obra pode oferecer algumas informações preciosas para a tarefa de decodificar os estranhos símbolos que emergem das ruas. Ou se preferir, pode auxiliar na inferência necessária para se apreender o máximo de conteúdo dessa obra política em construção. Eu recomendo o livro Multidão. Boa leitura!


Por Johnson Sales.


sexta-feira, 21 de junho de 2013

"Relacionamentos de Bolso" em tempos de "Amores Líquidos"


“... é possível buscar “relacionamentos de bolso” do tipo de que se “pode dispor quando necessário” e depois tornar a guardar. Ou que os relacionamentos são como a vitamina C: em altas doses, provocam náuseas e podem prejudicar a saúde. Tal como no caso desse remédio, é preciso diluir as relações para que se possa consumi-las. Ou que os CSSs — casais semi-separados merecem louvor como “revolucionários do relacionamento que romperam a bolha sufocante dos casais”. Ou ainda que as relações, da mesma forma que os automóveis, devem passar por revisões regulares para termos certeza de que continuarão funcionando bem. No todo, o que aprendem é que o compromisso, e em particular o compromisso a longo prazo, é a maior armadilha a ser evitada no esforço por “relacionar-se”. Um especialista informa aos leitores: “Ao se comprometerem, ainda que sem entusiasmo, lembrem-se de que possivelmente estarão fechando a porta a outras possibilidades românticas talvez mais satisfatórias e completas”. Outro mostra-se ainda mais insensível: “A longo prazo, as promessas de compromisso são irrelevantes. Como outros investimentos, elas alternam períodos de alta e baixa”. E assim, se você deseja “relacionar-se”, mantenha distância; se quer usufruir do convívio, não assuma nem exija compromissos. Deixe todas as portas sempre abertas."


(Zygmunt Bauman).

Recomendo o Livro "Amor Líquido" de  Zygmunt Bauman, do qual este texto é parte integrante.