Ao tratarem (em A Arvore do Conhecimento) de Pandora (pan = todos, dora = presente), a primeira mulher, segundo a mitologia grega, fabricada por Vulcano, por ordem de Júpiter, e dotada de todas as graças e talentos, mas que apesar de tão "encantadora", trouxe aos mortais, como presente celestial, uma caixa que continha todos os males, os quais, quando esta foi aberta, se disseminaram por toda a Terra, Humberto Maturana e Francisco Varela relacionam a 'Esperança' (único elemento restante no fundo da caixa de Pandora) com o 'Conhecimento'. Segundo eles: "Esperança que, se relaciona com o conhecimento dos nossos próprios processos naturais de percepção. Conhecimento, comunicação e aprendizagem, entre outros". Assim sendo, o conhecimento representaria a esperança de podermos fazer frente a todos os males advindos da caixa de Pandora e espalhados pela vastidão da terra.
Em tempo, é intrigante o fato de a esperança encontrar-se, nesse mito, misturada a todos os males contidos na caixa de Pandora que teria sido concebida como um instrumento de vingança. É como, numa linguagem atual de TI, se alguém enviasse uma caixa de vírus com um antivírus dentro. Mas na verdade, a 'Esperança' é tratada nessa versão do mito de Pandora como "ilusória". Ou seja, seria também um 'Mal', uma ilusão para enganar aos humanos. Ou ainda, como o mito é carregado de mensagens implícitas e passível de muitas interpretações, algo "bom" em meio aos males, funcionaria como uma prova da benevolência dos deuses mesmo em meio a uma vingança. Ou ainda, como em algumas versões, o marido de Pandora chega e a faz fechar a caixa, não dá tempo, pela ação do Homem (o ser do sexo masculino), de a única coisa boa fugir das mãos humanas. Muitas outras interpretações podem ser feitas. Como por exemplo, se todos os males saíram da caixa e chegaram aos humanos, por que a única coisa boa permaneceu trancada na caixa? E nesse caso, o ser masculino com a sua ação, acabou privando o mundo da esperança. O interessante dos mitos é que eles oferecem "chaves" diversas para interpretar as ações humanas e o próprio mundo. Não deixa de parecer evidente nesse mito a intenção, ou pelo menos o efeito, de responsabilizar - a exemplo de Adão e Eva - a mulher pelos males do mundo. E nos dois casos, a desobediência e a curiosidade feminina seriam as responsáveis pela desgraça da humanidade. Isso é algo para não deixarmos passar despercebido. E lembrarmos, claro, que pelo menos no segundo caso, o deus vingativo e capaz de conceber uma mulher encantadora e oferecê-la como presente à humanidade juntamente com uma "caixa de males", é masculino. Mas, são apenas reflexões. Todos nós podemos refletir mais sobre esse mito e construir novos e ilimitados entendimentos. Para isso servem, também, os mitos.
Porém, existe outra versão do mito, pela qual, Pandora teria sido enviada aos mortais pelo deus Júpiter com boa intenção, com o intuito de agradar ao homem. E teria recebido como presente de casamento, uma caixa, em que cada deus colocara um elemento. Pandora abriu a caixa, inadvertidamente, e todos os elementos escaparam, exceto a esperança. Mesmo nesse caso, se indagaria, por qual razão esses deuses encheriam uma caixa com maldades e apenas com uma bondade, ou ainda, com uma mera ilusão de bondade e a entregariam aos humanos por intermédio de Pandora. Só pra testar a obediência? Ou para criar as condições para que machistas pudessem responsabilizar o sexo feminino pelos problemas da humanidade, atribuindo à mulher uma desobediência nata e uma curiosidade incontrolável e maligna? Muito ainda podemos estudar e escrever sobre as atitudes desses deuses, de Pandora, de Eva e Adão, e dos mitos em geral. E sempre que o fizermos, estaremos enriquecendo nossos conhecimentos e aprofundando nossas reflexões sobre a vida, sobre o mundo e sobre nós mesmos.
Seja como for, é muito interessante e estimulante compreendermos, como o fizeram Maturana e Varela, o 'conhecimento' como a 'esperança' que restou no fundo da caixa de Pandora, por iniciativa da própria mulher, ou pela a ação do homem masculino, e que poderá caçar e neutralizar todos os males que originaram-se da vingança bem sucedida ou da obsessão por obediência que os deuses demonstraram a partir desse mito.
Refletir é preciso!
Por Johnson Sales.
