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domingo, 23 de junho de 2013

Para melhor entender a "Multidão" que caminha pelas ruas do Brasil



"E a democracia não resulta de intervenções militares e mudanças de regime, nem dos vários modelos atuais de “transição para a democracia”, que geralmente se baseiam em algum tipo de caudilhismo latino-americano e se revelaram mais eficazes para criar novas oligarquias do que para criar qualquer sistema democrático. Todos os movimentos sociais radicais desde 1968 se têm insurgido contra essa corrupção do conceito de democracia, que a transforma numa forma de domínio imposto e controlado de cima”.

Este trecho pertence ao livro Multidão - Guerra e democracia na era do império. São de lá também os trechos seguintes:

"Em vez disso, insistem, a democracia só pode surgir de baixo. Talvez a atual crise do conceito de democracia decorrente de sua nova escala global sirva de oportunidade para que retornemos a seu significado mais antigo, como governo de todos por todos, uma democracia sem “se” e sem “mas” (“A democracia da multidão”).

"Os movimentos que expressam queixas contra as injustiças de nosso atual sistema global e as propostas práticas de reforma, constituem poderosas forças de transformação democrática, mas além disso precisamos repensar o conceito de democracia à luz dos novos desafios e possibilidades apresentados por nosso mundo".

"Essa reelaboração conceitual é a tarefa primordial de nosso livro. Não pretendemos apresentar um programa concreto de ação para a multidão, e sim tentar elaborar as bases conceituais sobre as quais se poderá firmar-se um novo projeto de democracia".

O livro de Michael Hardt e Antonio Negri traz inquietantes reflexões e teorizações que podem oferecer um importante lastro teórico para compreender e pensar o momento atual que o Brasil vive. Apreender os significados e significantes dessa aglomeração inquieta de pessoas, a qual os autores chamaram de Multidão, pode ser uma das tarefas mais urgentes para quem não quer perder o "trem da história" nem ficar tentando enxergar as manifestações em curso no Brasil por lentes ultrapassadas e inadequadas.

A Multidão 

"A multidão é um conceito de classe. As teorias de classe são principalmente duas, a da Unidade (ligada às teorias de Marx) e a da Multiplicidade (ligada ao Liberalismo). O pólo da Unidade está associado à tese de Marx de que na sociedade capitalista há um dualismo entre o proletariado e o capitalista. Já o pólo da Multiplicidade prega uma pluralidade de classes sociais. Ambas as teorias são verdadeiras, afinal na sociedade capitalista há a divisão entre capital e trabalho, mas a sociedade contemporânea compreende infinitas classes baseadas em diferenças econômicas, raça, etnia, geografia, gênero, etc. A classe é determinada não só pela luta de classes como também pela proposta de futuros possíveis lineamentos de lutas coletivas. Logo a classe não é apenas um conceito econômico e político, mas um conceito biopolítico. A multidão é encarada como uma multiplicidade irredutível, baseada nas condições de possibilidade, dos que podem tornar-se multidão, levando em conta que tipos de trabalho, formas de vida e localização geográfica não impedem a comunicação e a colaboração num projeto político comum".

Os autores falam também de "Inteligência de Enxame":
 
"Inteligência de enxame são as técnicas coletivas e disseminadas de solução de problemas sem controle centralizado, ou seja, são como forças independentes (baseadas fundamentalmente na comunicação) que focam em um mesmo objetivo sem o estabelecimento de um modelo global.O ataque em rede parece semelhante ao ataque de um enxame, porém, ao ser analisada a fundo, a rede é efetivamente organizada, racional e criativa, diferentemente do enxame. "

Multidão – Guerra e democracia na era do Império”, de Michael Hardt e Antonio Negri é sem dúvidas uma leitura recomendável para ajudar na compreensão do fenômeno da multidão que caminha atualmente pelas ruas das cidades brasileiras e põe "em xeque" as certezas da nossa jovem democracia, a sobrevivência e função social dos partidos políticos, a eficácia dos governos, e as verdades de várias gerações de militantes. Além de reacender ao mesmo tempo, as esperanças e desejos da elite e também do povo brasileiro, cada um do seu modo e guiado por interesses conflitantes. A Multidão pode ter soado o gongo da luta de classes no Brasil,  ou simplesmente, gerado para a direita uma oportunidade inesperada de avançar sobre as poucas e frágeis conquistas dos pobres e trabalhadores deste País. Seja como for, é um importante momento histórico que pede estudo, compreensão e ação. E esta obra pode oferecer algumas informações preciosas para a tarefa de decodificar os estranhos símbolos que emergem das ruas. Ou se preferir, pode auxiliar na inferência necessária para se apreender o máximo de conteúdo dessa obra política em construção. Eu recomendo o livro Multidão. Boa leitura!


Por Johnson Sales.