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sábado, 8 de junho de 2013

A Corda (entre a morte e a vida)





Você já se pegou procurando por algo que não sabe o que é? Já tentou se agarrar em algum pedaço relevante de uma realidade quebrada, tateando em meio a trevas densas demais?
Eu sei. Isto parece dramático. E é!
O sentimento era mesmo este! Um drama de “cortar coração” havia invadido o palco daquela vida prosaica. Nada. Nada que pudesse resgatá-lo do subsolo do poço (Isso mesmo! Subsolo do poço. Dizem que todo fundo de poço tem ainda um subsolo como prova indubitável de que toda situação, por pior que esteja ainda pode piorar) Vinha à luz.
Os dias passavam, um atrás do outro, com aquelas mesmas noites entediadas, pelo meio. Para piorar, ainda andou se sentindo meio “barata”. Numa referência a característica dessa criatura que mesmo quando não come, bota gosto ruim, impedindo que os outros comam.  Essa conclusão, mais vulgar que filosófica, ele tirou de umas aventuras sentimentais nas quais andava envolvido ultimamente. O fato é que a coisa ia muito mal. E ele não via nenhum sinal de mudança para melhor. Era tanta nuvem escura, que o sol parecia ter desistido e fugido de vez lá para o Japão, e sem nenhuma vontade de voltar.
Bebeu umas canas; mandou um Back pra cabeça; consumiu três carteiras de cigarro do mais barato que conseguiu achar; e tomou uma decisão. A mais importante decisão que já tomara na vida, ia se matar. Estava decidido!
Só faltava definir como seria. Veneno, dizem que dói muito, a boca espuma, é horrível! Deitar na linha do trem estraçalha o corpo de tal maneira, que depois fica difícil recolher os pedaços para enterrar. _Assim não! Resolveu então, optar pelo enforcamento. Parecia nobre. Saddam Hussein morreu assim. Tiradentes, também.
_É isso. Será assim!
            Chegado o grande dia, providenciou todos os preparativos, checando com cuidado para não esquecer nenhum detalhe importante.
_O principal de tudo é a corda!
Uma boa corda, além de assegurar a eficácia do processo. E neste caso, o que se considera eficácia é a garantia de uma morte rápida e “segura” (sem riscos de fracassar) que dignifique o enforcado, e empreste o tom clássico de que o ato necessita. Uma corda “de primeira” também fomenta certa confiança; reforça a crença na ciência com os seus métodos e ferramentas funcionais. Até mesmo em situações como essa, em que o individuo está se divorciando de todas as certezas cultas e racionais que marcam nossa civilização e nossa época. Outro elemento decisivo é o local e o objeto no qual a corda será fixada, uma das extremidades dela, é claro! Já que a outra estará presa ao pescoço do suicidante. Escolheu uma árvore, na verdade, um pé de Seriguela (Spondias purpurea) que plantada no quintal da sua casa, já havia embalado nos seus galhos, duas gerações de meninos e meninas de sua família, todos com suas historinhas, brincadeiras e fantasias infantis. Ele mesmo há quarenta e dois anos atrás, havia brincado de Tarzan e Jane junto com sua prima Marina enquanto catavam os doces frutos da boa árvore. É justo que ela seja a árvore escolhida para encerrar uma vida que por tantas vezes acolheu e ninou em seus galhos.

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O Suicídio, esse “repugnante” ato de levar a termos a própria vida, é mais comum do que se pensa. E já animou grandes intelectuais como Émile Durkheim em estudos entusiasmados. Tal prática é muito comum e até admirada e respeitada em algumas culturas como a japonesa, ou mesmo entre índios brasileiros como os Urubus, como mostra o mito de Uirá, o índio que segundo a narrativa de Darcy Ribeiro, sai à procura de Deus e que decide encerrar sua jornada com um mergulho para a morte, num rio cheio de piranhas.  Essa radical e literal (se é que tal expressão ainda faz sentido para os linguistas) autodestruição é uma das mais notáveis armas de resistência e combate, adotadas por guerreiros e guerreiras árabes nos dias atuais. Como também o fora pelos Kamikazes japoneses na segunda guerra mundial.

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A corda escolhida foi comprada de uma empresa que garantia que suas cordas eram trançadas por máquinas de 16 fusos. O que segundo o marketing da empresa, dava uniformidade e desempenho superior à corda. Prometia ainda uma maior capacidade de suportar atritos. Falava de uma corda forte e firme, e mais resistente.  Gabava-se do retorcimento em sentido anti-horário de parte das suas fibras, em oposição às demais. E afirmava que esse detalhe reduzia as possibilidades da corda enrolar durante o uso.
Dessa forma, parecia assegurada uma boa e digna morte.
Era chegada a hora!
Subiu no galho mais alto da árvore. Olhou atentamente em volta para se certificar de que não houvesse por perto, nenhum “herói de ocasião” com potencial para frustrar sua empresa. Contornou o galho da Sirigueleira com uma das pontas da corda, amarrando-a firme, de forma que não se soltasse com seu peso; fez um laço apertado e bem seguro na outra ponta; conferiu com a vista, a altura que ficaria suspenso do chão; fez uma oração encomendando sua própria alma; procurou afastar da mente as imagens de Constantine que insistiam em ocupar seus pensamentos. E refutou com todas as forças a ideia sustentada pelos católicos de que o suicídio leva a alma direto para o inferno. Respirou fundo; contou até dez; e saltou!

***

“_ Você acredita que o amor é mais forte do que a morte?
_ De jeito nenhum.
_ Bom _ disse Murray. _ Nada é mais forte que a morte. Você acredita que as únicas pessoas que têm medo da morte são as que têm medo da vida?
_ Isso é loucura. Besteira completa.
_ Certo. Todos nós temos medo da morte, em maior ou menor grau. Os que dizem que não, estão enganando a si próprio. São pessoas superficiais.
_ O tipo de gente que põe o seu próprio apelido na placa do carro.
_ Excelente, Jack. Você acredita que a vida sem a morte é de algum modo incompleta?
_ Incompleta como? A morte é que torna a vida incompleta.
_ Nossa consciência da morte não torna a vida mais preciosa?
_ De que vale a sensação de que a vida é preciosa se ela se baseia no medo e na ansiedade? É uma coisa ansiosa, trêmula.
_ É verdade. As coisas mais preciosas são aquelas a respeito das quais temos uma sensação de segurança. Uma mulher, um filho.
_ Será que o espectro da morte torna o filho mais precioso?
_ Não.
_ Não. Não há motivo para achar que a vida é mais preciosa por ser passageira. O que você acha da seguinte afirmativa: é preciso que uma pessoa saiba que vai morrer para que comece a aproveitar a vida ao máximo. Verdadeira ou falsa?
_ Falsa. Uma vez determinada a morte, fica impossível levar uma vida satisfatória.
_ Você acharia melhor saber a data e a hora exata da sua morte?
_ De jeito nenhum. Já é ruim temer o desconhecido. Como é desconhecido, a gente pode fingir que não existe. Saber a data exata levaria muita gente a se suicidar antes, por puro espírito de porco”.
Diálogo entre Jack e Murray,
 Ruído Branco (1984, 1985)
Don Delillo, p. 278,279.

***

Crack! prac! prec! O galho quebrou.
Despencou de aproximadamente três metros de altura, quebrou duas costelas; perdeu um dente; fraturou um braço; matou uma fêmea de pavão que passava por lá na hora e era o xodó da casa. E só foi encontrado oito horas depois. Após esperar atendimento por doze horas, com uma pulseira de cor vermelha, na fila de espera de uma Unidade de Pronto Atendimento e ser encaminhado para tratamento em um hospital público de urgência, resolveu repensar a sua vida. Decidiu seguir em frente com a sua existência, agora um pouco ainda mais dramática. Porém, com uma pitadinha de comédia acrescentada pela sua atrapalhada tentativa de deserção.

Don Johnson de Sales.