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domingo, 14 de julho de 2013

120 anos de Maiakovski - O poeta da revolução

 Sob o lema "não há arte revolucionária sem forma revolucionária", acreditava que as artes tinham uma função política a partir da revolução de suas formas

 
Corria o mês de julho de 1893 quando Vladimir Vladimirovicth Maiakovski nasceu, russo de origem georgiana e família pobre. O próximo dia 19 marca os 120 anos de nascimento do poeta e dramaturgo, que soube conjugar “intervenção política e experimentação formal, numa poesia com todos os seus dentes e garras cravados na vida”, como define o poeta e crítico literário gaúcho Eduardo Sterzi, que se impressionou com os versos maiakovskianos desde a adolescência.

Símbolo oficial da Revolução de Outubro de 1917, na qual se engajou diretamente e da qual depois foi relegado, junto com outros nomes que escapavam da ortodoxia do partido liderado por Stálin, Maiakovski acabou por se suicidar aos 36 anos, com um tiro no peito, em abril de 1930. O pouco tempo de vida, porém, não resume o alcance de sua obra, revolucionária para além do âmbito político-partidário.

Ele “entendia que as formas de expressão artística deveriam estar a serviço da contestação do existente”, explica o professor de Estética e História da Arte Maurílio Machado, da Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira (Unilab). Sob o lema “não há arte revolucionária sem forma revolucionária”, acreditava que as artes tinham uma função política a partir da revolução de suas próprias formas.

O poeta da revolução

Homem de revoluções, não apenas por ter sido um dos maiores engajados da Revolução Russa de 1917, o poeta Vladimir Maiakovski promoveu a liberdade em linguagens artísticas como poesia e teatro, além da própria vida


É impossível separar a figura de Vladimir Maiakovski da Revolução de Outubro de 1917, quando, após eclodir a manifestação popular pelo fim do czarismo russo, o Partido Bolchevique chegou ao poder. Todavia, seja pelo modo como foi tratado posteriormente por essas mesmas forças políticas, cuja ascensão ele defendeu inflamadamente, seja pela renovação da linguagem artística que promoveu no contexto das vanguardas russas, não é possível reduzir a importância da obra maikovskiana à instância política.

Maiakovski é o poeta da revolução – mas não no sentido político limitado como se costuma entender. Para ele, não havia “uma separação entre o fazer artístico, a experiência estética e a atuação política”, diz Maurílio Machado, professor de Estética e História da Arte na Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira (Unilab). É por levar a termo o sentido de “revolução”, na vida amorosa inclusive, que, conforme o poeta cearense Carlos Augusto Lima enfatiza, ele e sua poesia se afirmam mesmo 120 anos após seu nascimento, em 19 de julho de 1893.

“Maiakovski tentou, da sua maneira, essa possibilidade de atravessamento, dando uma dobra na linguagem da poesia russa do seu tempo, ocupando os mais variados tipos de suportes, dos mais sofisticados aos mais prosaicos (livro, cartazes, colagens, dramaturgia, poesia sonora etc) e, mais, fincando o pé na sua liberdade como sujeito”, observa Carlos Augusto, encontrado por Maiakovski ainda na adolescência. Essa insistência em ser livre como sujeito retumba, por exemplo, na relação de amor que teve com Lília Brik, mulher de seu amigo Ossip Brik.

Em entrevista ao tradutor brasileiro Boris Schnaidermann – um dos maiores responsáveis pela divulgação da obra de Maiakovski no Brasil, junto com os poetas Augusto e Haroldo de Campos –, a própria Lília, aos 80 anos, contou a história do triângulo amoroso mais comentado da Rússia revolucionária, país ainda assim cheio de “moralismos estúpidos” e “hipocrisia”, como criticou a narradora. “Dizem por aí que vivíamos em ménage à trois, põem a culpa toda em mim, como se houvesse culpa em casos como este!”, contou a velha “miudinha e ágil”, conforme descrição de Boris.

Aos 13 anos, Lília casa-se com Ossip Brik, “por amor”. Mais tarde, o casal conhece Maiakovski, que causa em ambos uma “impressão profunda”. Estando o escritor a procurar um quarto para alugar, termina mudando-se para a casa de Ossip e Lília. “Depois que eu gostei dele como mulher e ele também teve por mim um sentimento de homem, resolvemos contar tudo ao Ossip. Passei então a ser mulher de Maiakovski, mas isto não era motivo para deixarmos de morar na mesma casa. Tanto Ossip como Maiakovski eram criaturas superiores, que viam com a maior naturalidade esses problemas de amor e sexo”, ela contou a Boris, numa tarde seca do verão de Moscou em julho de 1972.

Mais que poeta
Para a professora de teatro, arte e cultura russa na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo (USP), Arlete Cavaliere, embora o poeta se considere desde logo um “artista do proletariado” e “a serviço do poder operário”, a revolução de Maiakovski, além de não se restringir ao engajamento político, no âmbito artístico não se limitou à poesia. Segundo a também tradutora, não é possível separar as formas de expressão pelas quais Maiakovski passeou em sua produção artística, até porque sua obra inclui roteiros para cinema, jornalismo, publicidade, cartazes, legendas, desenho e trabalhos gráficos.

Arlete é a responsável pela tradução do russo para o português da peça Mistério Bufo, uma alegoria da Revolução Russa escrita por Maiakovski em 1921, cuja publicação pela Editora 34 este ano comemora a efeméride do escritor no Brasil. Dentro das vanguardas russas, o autor representava o grupo dos cubo-futuristas, ala mais radical entre os vanguardistas. Nesse contexto de interseções entre as linguagens, segundo a professora, “o teatro de Maiakóvski significou uma espécie de emblema poético-cênico do movimento das vanguardas russas”.

Daí, conforme Arlete, estar evidente em Mistério Bufo “toda a base do credo teatral maiakovskiano, ou seja, a revolução das formas teatrais deve caminhar a par e passo com a revolução política e social, e ao programa artístico vinculam-se as transformações da sociedade russa”. Não à toa, apesar da apropriação da figura de Maiakovski pelo regime soviético após seu suicídio, em 14 de abril de 1930, “seu teatro na Rússia foi silenciado por muito tempo, indica a complexidade de seus textos e a dificuldade de enquadramento em padrões ideológicos rígidos e simplistas”, pontua a tradutora.

Referência para as mais variadas linguagens, o contato com a obra maiakovskiana impõe um desafio dos maiores aos artistas contemporâneos. Como resume Arlete, “captar uma realidade social e cultural tão híbrida, tão contraditória, tão complexa e tão múltipla” tal como na época de Maiakovski. Tempos de revolução política, social, estética, literária, artística – tempos de mudança, enfim. (Raphaelle Batista).


Fonte Jornal OPovo.