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“Quando um homem começa a aprender, ele nunca sabe muito claramente
quais são seus objetivos. Seu propósito é falho; sua intenção, vaga.
Espera recompensas que nunca se materializarão, pois não conhece nada
das dificuldades da aprendizagem.”
“Devagar, ele começa a
aprender… a princípio, pouco a pouco, e depois em porções grandes. E
logo seus pensamentos entram em choque. O que aprende nunca é o
que ele imaginava, de modo que começa a ter medo. Aprender nunca é o
que se espera. Cada passo da aprendizagem é uma nova tarefa, e o medo
que o homem sente começa a crescer impiedosamente, sem ceder. Seu
propósito toma-se um campo de batalha.”
“E assim ele se depara
com o primeiro de seus inimigos naturais: o medo! Um inimigo terrível,
traiçoeiro, e difícil de vencer. Permanece oculto em todas as voltas do
caminho, rondando, à espreita. E se o homem, apavorado com sua presença,
foge, seu inimigo terá posto um fim à sua busca.”
(…)
– “E o que pode ele fazer para vencer o medo?”
– “A resposta é muito simples. Não deve fugir. Deve desafiar o medo, e, a
despeito dele, deve dar o passo seguinte na aprendizagem, e o seguinte,
e o seguinte. Deve ter medo, plenamente, e no entanto não deve parar. É
esta a regra! E o momento chegará em que seu primeiro inimigo recua. O
homem começa a se sentir seguro de si. Seu propósito toma-se mais forte.
Aprender não é mais uma tarefa aterradora. Quando chega esse momento
feliz, o homem pode dizer sem hesitar que derrotou seu primeiro inimigo
natural.”
(…)
– “Uma vez que o homem venceu o medo, fica livre dele o resto da vida,
porque, em vez do medo, ele adquiriu a clareza… uma clareza de espírito
que apaga o medo. Então, o homem já conhece seus desejos; sabe como
satisfazê-los. Pode antecipar os novos passos na aprendizagem e uma
clareza viva cerca tudo. O homem sente que nada se lhe oculta.”
“E assim ele encontra seu segundo inimigo: a clareza! Essa clareza de
espírito, que é tão difícil de obter, elimina o medo, mas também cega.”
“Obriga o homem a nunca duvidar de si. Dá-lhe a segurança de que ele
pode fazer o que bem entender, pois ele vê tudo claramente. E ele é
corajoso porque é claro; e não para diante de nada, porque é claro. Mas
tudo isso é um engano; é como uma coisa incompleta. Se o homem sucumbir a
esse poder de faz-de-conta, terá sucumbido a seu segundo inimigo e
tateará com a aprendizagem. Vai precipitar-se quando devia ser paciente,
ou vai ser paciente quando devia precipitar-se. E tateará com a
aprendizagem até acabar incapaz de aprender qualquer coisa mais.”
(…)
– “Mas o que tem de fazer para não ser vencido?”
– “Tem de fazer o que fez com o medo: tem de desafiar sua clareza e
usá-la só para ver, e esperar com paciência e medir com cuidado antes de
dar novos passos; deve pensar, acima de tudo, que sua clareza é quase
um erro. E virá um momento em que ele compreenderá que sua clareza era
apenas um ponto diante de sua vista. E assim ele terá vencido seu
segundo inimigo, e estará numa posição em que nada mais poderá
prejudicá-lo. Isso não será um engano. Não será um ponto diante da
vista. Será o verdadeiro poder.”
“Ele saberá a essa altura que o poder que vem buscando há tanto tempo é
seu, por fim. Pode fazer o que quiser com ele. Seu aliado está às suas
ordens. Seu desejo é ordem. Vê tudo o que está em volta. Mas também
encontra seu terceiro inimigo: o poder!”
“O poder é o mais forte de todos os inimigos. E, naturalmente, a coisa
mais fácil é ceder; afinal de contas, o homem é realmente invencível.
Ele comanda; começa correndo riscos calculados e termina estabelecendo
regras, porque é um senhor.”
“Um homem nesse estágio quase nem nota que seu terceiro inimigo se
aproxima. E de repente, sem saber, certamente terá perdido a batalha.
Seu inimigo o terá transformado num homem cruel e caprichoso.”
(…)
– “E como o homem pode vencer seu terceiro inimigo, Dom Juan?”
– “Também tem de desafiá-lo, propositadamente. Tem de vir a compreender
que o poder que parece ter adquirido na verdade nunca é seu. Deve
controlar-se em todas as ocasiões, tratando com cuidado e lealdade tudo o
que aprendeu. Se conseguir ver que a clareza e o poder, sem controle,
são piores do que os erros, ele chegará a um ponto em que tudo está
controlado. Então, saberá quando e como usar seu poder. E assim terá
derrotado seu terceiro inimigo.”
“O homem estará, então, no fim de sua jornada do saber, e quase sem
perceber encontrará seu último inimigo: a velhice! Este inimigo é o mais
cruel de todos, o único que ele não conseguirá derrotar completamente,
mas apenas afastar.”
“É o momento em que o homem não tem mais receios, não tem mais
impaciências de clareza de espírito… um momento em que todo o seu poder
está controlado, mas também o momento em que ele sente um desejo
irresistível de descansar. Se ele ceder completamente a seu desejo de se
deitar e esquecer, se ele se afundar na fadiga, terá perdido a última
batalha, e seu inimigo o reduzirá a uma criatura velha e débil. Seu
desejo de se retirar dominará toda a sua clareza, seu poder e
sabedoria.”
“Mas se o homem sacode sua fadiga e vive seu destino completamente,
então poderá ser chamado de um homem de conhecimento, nem que seja no
breve momento em que ele consegue lutar contra o seu último inimigo
invencível. Esse momento de clareza, poder e conhecimento é o
suficiente.”
Carlos Castañeda (A Erva do Diabo).