Pesquisar este blog

terça-feira, 13 de agosto de 2013

A Filosofia, a Pobreza e o Hip Hop





Em Java: “Havia uma espécie de estagnação agitada na qual, como observei certa vez referindo-me à curiosa mistura de fragmentos importados de modernidade e relíquias da tradição ultrapassada que caracterizavam o lugar, o futuro parecia quase tão remoto como o passado. No meio deste cenário deprimente, no entanto, havia uma vitalidade intelectual absolutamente surpreendente, uma verdadeira paixão filosófica, paixão que, além disso, era popular, concentrada em descobrir, a fundo, os enigmas existenciais. Camponeses miseráveis discutiam questões relacionadas com o livre-arbítrio, comerciantes analfabetos falavam sobre as qualidades de Deus, lavradores comuns tinham teorias sobre a relação entre a razão e a paixão, a natureza do tempo ou a confiabilidade dos sentidos. E talvez ainda mais importante, buscavam, avidamente, respostas para o problema do eu – sua natureza, sua função e seu ‘modus operandi’ – com um tipo de intensidade reflexiva que, entre nós, encontramos somente em ambientes altamente sofisticados”. (Clifford Geertz).

Esta surpresa de Geertz ao encontrar a filosofia e a reflexão viva sobre as questões da vida e da humanidade presente em meio aos pobres pode, atualmente, e talvez sempre, se repetir. Basta que os intelectuais, os acadêmicos e os “letrados” em geral se disponham a conhecer e interagir com vários dos lutadores sociais e moradores das comunidades pobres da nossa cidade, estado e País. E mais do que conhecer e interagir, estejam dispostos a não tomar-lhes a voz; a não apropiar-se do seu conhecimento; a registrar a autoria destes quando da elaboração das suas etnografias. Atualmente as esquinas da nossa cidade estão abarrotadas de ideias, de concepções de mundo, de opiniões sobre os mais variados assuntos. Os bares, restaurantes e bodegas abrigam inúmeras reflexões filosóficas, teorias políticas, estratagemas. Os canteiros de obras também acolhem, embora não permitam aflorar, a poesia contida no coração e na criação de ‘braços rústicos’. O povo pensa, reflete, investiga e elabora a partir das condições insalubres e inóspitas a que a divisão do trabalho lhe submete. Certamente essa efervescência cultural e filosófica dos pobres ainda causará muita surpresa nos intelectuais, como causou em Geertz. Afinal, o saber burguês produzido em série nas universidades, como se produz biscoitos numa indústria alimentícia, se considera monopolizador do saber, e único legítimo e legitimador na sua produção. Mas para os interessados em romper com essa lógica e dispostos a surpreenderem-se com a filosofia das ruas e com todo o volume de conhecimento que brota dos becos, vielas, favelas e comunidades, eu recomendo começar ouvindo a música do Hip Hop. Escute o RAP (Rhythm and Poetry), principalmente a música de artistas como Edi Rock, Criolo Doido e GOG. Nessas produções encontram-se boa parte da filosofia e do pensamento produzido longe dos muros da universidade e da comunidade acadêmica. Também procure conversar com os moradores da sua rua, do seu bairro, da sua cidade. Fale com os jovens, decifre suas gírias, tente entender a sua lógica. Ande pelos bares, pelas praças, pelas ruas da cidade. E principalmente, escute mais do que fale!

Por Johnson Sales.