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sexta-feira, 31 de maio de 2013

Pra onde se recolhe a alma da arte



Tem não, a possibilidade da arte ser vazia de filamentos da alma do artista. Reside um espectro de seu ser exatamente naquele espaço mágico no qual se instala o significado da obra. Naquela dimensão localizada estrategicamente num ponto equidistante entre a criação e o olho do observador. É nesse recanto extraordinário que se recolhe a substância mista que entrelaça, articula e funde, artista, arte e público. A essência da obra, bem como o sentimento depositado nela pelo artista, e a expectativa sensorial de quem a contempla, se encontram nesse eldorado dos alquimistas, bruxas e gênios. Tem sim, um muito do artista, em cada peça, em cada obra, em cada exposição. Basta aprender a ver no interior dessa dimensão especial, para encontrar nua em pêlos, a alma do artista por trás, por sobre, ao lado e por dentro da sua obra. 


(Escultura da Artista e futura cientista social Michelly Oliveira Campos)

Don Johnson de Sales.


Elogio à Incerteza - (Justiça em Platão e Hobbes)



Platão buscou decididamente em "A República" definir justiça, não conseguiu! Hobbes veio então com o seu positivismo e a definiu! Mas Hobbes a misturou com seu "pacto" e com as leis. Eu não me convenci da definição de justiça de Hobbes e tampouco me frustrei com a incapacidade de Platão em defini-la. Mas dessa, e de outras empreitadas dos grandes pensadores da humanidade, me ficou a maravilhosa incerteza que tanto me fez falta em vários momentos da minha vida. Não saber com certeza, não acreditar em verdades absolutas, não definir tudo, não aceitar determinadas definições, pensar, discutir, examinar e não chegar a um resultado final, é muito mais importante e poético do que aderir facilmente à verdades preestabelecidas. Algumas verdades pretensamente absolutas estão alicerçadas em leis e pactos dos quais não somos conscientemente signatários. Em se tratando de justiça e de certas verdades absolutas, fico com a "incapacidade" de Platão em detrimento do positivismo de Hobbes.



O Trabalho é irrevogável



Alfred Schutz, no livro "Fenomenologia e Relações Sociais" trata da irrevogabilidade do trabalho fazendo uma distinção entre desempenho e trabalho da seguinte forma:

"No caso de um mero desempenho, tal como a tentativa de solucionar mentalmente um problema matemático, posso, se minhas antecipações não se completarem no resultado e eu ficar insatisfeito com ele, cancelar todo o processo de operações mentais e recomeçar. Nada estará mudado no mundo exterior, nenhum vestígio do processo anulado permanecerá. Simples ações mentais são, nesse sentido, revogáveis. O trabalho, no entanto, é irrevogável. Meu trabalho mudou o mundo exterior. Na melhor das hipóteses, posso restaurar a situação inicial através de movimentos contrários, mas não posso voltar a não ter feito aquilo que foi feito por mim".

O autor aponta ainda uma importante questão legal derivada desta distinção entre trabalho e desempenho, diz ele:

"Ai está por que - dos pontos de vista moral e legal - sou responsável por meus feitos, mas não por meus pensamentos".



Mérito e reconhecimento entre Engels e Marx



Friedrich Engels foi o grande parceiro intelectual de Karl Marx. Amigo inseparável e financiador. Certa vez ao responder por carta ao escritor Franz Mehring para comentar o livro "A lenda de Lessing" e abordando certos méritos a ele atribuídos por Mehring, Engels objeta que tais méritos pertenciam primeiramente a Marx. E declara: 

"Quando se tem a sorte de trabalhar por 40 anos com um homem como Marx, é natural, durante a sua vida, que não se goze do reconhecimento que se julga merecer; Mas quando o grande homem morre, costuma-se elogiar mais que o devido a seu companheiro de estatura menor. Creio que este é o meu caso. A história acabará por colocar as coisas no seu lugar, mas, então, eu já terei morrido tranquilamente e não saberei de nada."

A luz das artes (Clifford Geertz)



"É dessa forma, colorindo a experiência com a luz que elas projetam, em vez de qualquer efeito material que possam ter, que as artes desempenham seu papel, como artes, na vida social."


Clifford Geertz in A Interpretação das Culturas.

quinta-feira, 30 de maio de 2013

O Trabalho do Poeta



Segundo Schutz, o filósofo clássico Aristóteles disse que o poeta (diferente do historiador) nunca faz qualquer declaração real, e nunca, certamente, declarações particulares ou específicas. O trabalho do poeta não é contar o que aconteceu, mas o que está acontecendo: Não aquilo que ocorreu, mas a espécie de coisa que sempre está ocorrendo. Será?


Gosto de escrever assim


Gosto de apresentar a vida recortada; Escrever sobre momentos, instantes, passagens, fragmentos de vidas humanas. Não importa se meus escritos parecem deslocados, soltos, desconexos, ou sem sentido para algumas pessoas. A vida não se dá na forma de um bloco monolítico de acontecimentos coerentes. A vida humana acontece em retalhos, em porções que por serem partes, nem por isso deixam de ser um todo em si. Os diversos fragmentos de vida que fazem nossa existência, se articulam entre si e com os fragmentos das vidas dos outros; se entrelaçam, se misturam sem perder suas particularidades, ao mesmo tempo que as enriquecem num processo colaborativo. Escrever assim, é lançar múltiplas flechas de cupido nas mais variadas direções e nunca errar o alvo.


Don Johnson de Sales.


Alma nas pedras



Serão dias claros de céu azul e nuvens esculpidas pelos deuses. Haverão águas limpas, transparentes e refrescantes correndo à sombra de árvores altas e frutíferas. A cabeça livre de problemas e o corpo  entregue ao abraço envolvente da brisa revigorante. Assim serão os tempos vindouros. No balanço da rede preguiçosa, suas mãos nos meus cabelos, meus pensamentos em você. Pensava, entregue por completo à imaginação. Foi quando ouviu o barulho da dinamite despedaçando as pedras na pedreira de onde retirava o seu sustento.


Don Johnson de Sales.

Saudade em Alfred Schutz

Na forma máxima de intimidade, conhecemos, a "alma nua" do outro. Mas a separação envolve o outro num estranho disfarce, difícil de remover. Do ponto de vista do ausente, o desejo de restabelecer a velha intimidade - não só com pessoas, mas também com coisas - é a principal característica do que se chama de "saudade".

(O texto citado pertence a Alfred Schutz e foi extraído do livro "Fenomenologia e Relações Sociais/Zahar Editores).


A ignorância - Mãe de tragédias



A ignorância é uma força demoníaca e tememos que ela ainda seja a causa de muitas tragédias. Não por acaso os grandes poetas gregos a apresentavam como um signo trágico nos seus impressionantes dramas extraídos das casas reais das Micenas e Tebas.

Karl Marx.

quarta-feira, 29 de maio de 2013

Super - Poderes de Fêmea

 
Havia uma potencialidade estética em cada pose, em cada cruzada de pernas, em cada caminhar. E ela bem conhecia esses poderes contidos. Fazia questão de liberá-los em doses homeopáticas para não intoxicar o "paciente". Sabia que uns centímetros a mais ou a menos num short, uma abertura mais ousada em um saia, um decote mais generoso, ou mesmo uma transparência um pouco mais acentuada, significavam bem mais do que tendências da estação. Tinham a propriedade de revelar fetiches, desestabilizar sistemas nervosos, liberar a libido. Acho mesmo que toda mulher, por mais tímida e ou recatada que seja, não deixa nem por um minuto de estar consciente de seus super-poderes de fêmea. Embora geralmente não admitam. O que muitas vezes amplifica o encantamento.
 
Dom Johnson de Sales.

segunda-feira, 27 de maio de 2013

Recolha sua Tarde!



Recolha sua tarde! Minha noite precisa de espaço. Recolha sua tarde, senão, minha noite a consome. As horas da noite são horas canibais. Elas alimentam-se das outras horas que as antecedem; depois avançam sobre as horas frias das madrugadas. Em seguida vão descansar e voltam ao banquete consumindo as horas retardatárias das tardes. E afinal, é na "boca da noite" que as tardes se vão. Recolha sua tarde! Minha noite vem, e parece faminta!


Don Johnson de Sales.



Somos todos Vampiros Sentimentais



Não tem muito o que se dizer, tampouco dedilhar no teclado sempre "a postos" para materializar abstracionismos sensoriais. Quando o véu da noite se rasga sob os raios imponentes do sol tropical dessas praias de cá, eu calo. E vou deitar. Como um vampiro sonolento, exausto e saciado que percebe a beleza do dia como alguma tragédia radioativa iminente a lhe atormentar. Alimentar-se de sentimentos ao invés de sangue quente, romantiza o vampirismo, sem no entanto lhe amenizar a monstruosidade. Na verdade somos todos, em algum nível, criaturas monstruosas. Todos nós de uma forma ou de outra, nos alimentamos de algo extraído do corpo ou da alma de algum outro vivente. Mas isso não é motivo para mudar-se imediatamente para a Transilvânia. Calma! Nessas transfusões sentimentais existem refluxos e fluxos de "dupla mão", benefícios e malefícios compartilhados em mútua sangria sob fascínios concomitantes e desejados. Em relação às sangrias orgânicas, ai é mais sério o caso. Mas não é disso que se ocupam nesse instante meus quase inertes impulsos literários. Deixo ao cinema e à literatura mais interessada, ocupar-se do universo escuro de Drácula. E Me disponho apenas a acalmar, pelo menos temporariamente, aos sugadores sensoriais dos sentimentos alheios. Durmam bem!


Don Johnson de Sales. 


domingo, 26 de maio de 2013

Às vezes Raposa, às vezes Príncipe, às vezes Flor




"- Que quer dizer "cativar"?

- É algo quase sempre esquecido - disse a raposa. Significa "criar laços"...


- Criar laços?


- Exatamente - disse a raposa. - Tu não és ainda para mim senão um garoto inteiramente igual a cem mil outros garotos. E eu não tenho necessidade de ti. E tu também não tens necessidade de mim. Não passo a teus olhos de uma raposa igual a cem mil outras raposas. Mas, se tu me cativas, nós teremos necessidade um do outro. Serás para mim único no mundo. E eu serei para ti única no mundo...


- Começo a compreender - disse o pequeno príncipe. - Existe uma flor... eu creio que ela me cativou..."

 


[Um dos trechos mais cativantes do livro "O Pequeno Príncipe", de Antoine de Saint-Exupéry]


La Noche Roja


Olhou para o celular, viu que haviam duas ligações não atendidas. Pensou em retorná-las. Mas achou melhor, não. A música estava realmente alta, o ambiente esfumaçado, a companhia, apesar de agradável, barulhenta demais. Sua cabeça sob uma nuvem espessa de "alecrim" e entregue à carícias intermitentes distinguia com dificuldades as lembranças e os desejos. Isto fazia com que algo que jamais acontecera,  parecesse digno de saudade. Dedos femininos com unhas grandes e cuidadosamente tratadas com esculturas em azul marinho e acabamento perto da cutícula passavam por baixo de seus cabelos à altura da nuca. Ao mesmo tempo que seu corpo recebia a atenção generosa de lábios quentes em hálito de Martini. 

_ Bota Cypress Hill! Toca Cypress Hill! Foram as últimas expressões inteligíveis que conseguiu escutar ou das quais conseguiria lembrar.

O relógio digital no display do telefone celular marcava 6:17 da manhã. Um sol forte lhe queimava a face e um barulho de água se chocando com pedras lhe chamava a despertar. Abriu os olhos com relutância, a luz solar estava forte e refletia nos retrovisores laterais, era dia. Encontrava-se na praia. Saber em qual delas, seria tarefa para mais tarde. Um pouco de dor de cabeça, um braço muito "dormente" sobre o qual repousavam bonitos cachos ruivos, olhos castanhos esverdeados e um corpo delicadamente esculpido graças às várias sessões de pilates. Corpo que ao tornar-se nítido e portanto familiar aos seus olhos, significava: Problemas.


Don Johnson de Sales.



sábado, 25 de maio de 2013

Gabriel Garcia Márquez e a viajem ao encontro do "self"


A idade nos traz descobertas e autodescobertas. As segundas são mais relevantes. Passamos tanto tempo construindo modelos e máscaras sociais para nós mesmos, que com o passar dos anos, já não conseguimos mais distinguir entre o criador e a criatura. Talvez a mais assustadora de todas as viagens que um ser humano possa fazer, seja a "ego-trip". Viajar ao mais profundo de seu próprio "eu" pode revelar surpresas estranhas e verdades constrangedoras. A viagem ao encontro do "eu" deve ser reservada aos passageiros mais destemidos. Nessa jornada para a qual a idade é o veículo mais adequado e seguro, o ponto de partida é também o trajeto e o ponto de chegada. Ou seja, o "self". 

Em Memórias de Minhas Putas Tristes, Gabriel Garcia Márquez escreveu:

“Descobri que não sou disciplinado por virtude, e sim como reação contra a minha negligência; que pareço generoso para encobrir minha mesquinhez, que me faço passar por prudente quando na verdade sou desconfiado e sempre penso o pior, que sou conciliador para não sucumbir às minhas cóleras reprimidas, que só sou pontual para que ninguém saiba como pouco me importa o tempo alheio. Descobri, enfim, que o amor não é um estado da alma e sim um signo do zodíaco.”

Quem topa se arriscar nesse tipo de descoberta? Quem não teme seu próprio "eu"? A condição de passageiro, o tempo fornece compulsoriamente. A decisão de fazer ou não a jornada é uma decisão pessoal e intransferível. Você vem? 


sexta-feira, 24 de maio de 2013

Um cotejo inusitado: Jean-Paul Sarte X Rodolfo Abrantes (ex-Raimundos)


A canção no rádio era de uma melancolia extrema: "...Quando eu acordei era fim de tarde, meu lado claro escureceu (Um novo sol só de manhã), faz envelhecer tendo a mesma idade de tanto que a alma sofreu . Eu sei que gente que tem coragem não finge..." era a banda "Rodox", com o ex-vocalista dos "Raimundos", Rodolfo Abrantes. E não pude deixar de pensar no que teria levado o Rodolfo do "Raimundos", que cantava músicas ao estilo de "minha cunhada", a essa tremenda imersão no existencialismo.  Me veio à cabeça quase de imediato Sartre sentenciando: "Um amor, uma carreira, uma revolução: outras tantas coisas que se começam sem saber como acabarão". Rodolfo Abrantes, havia se convertido ao cristianismo e agora se intitulava "missionário cristão". Isso também me levou a revisitar o pensamento de Jean P. Sartre: "Com efeito, tudo é permitido se Deus não existe, fica o homem, por conseguinte, abandonado, já que não encontra em si, nem fora de si, uma possibilidade a que se apegue". Então, cheguei à conclusão que no caso do Rodolfo, o que havia acontecido, nada mais era do que um esforço do existencialismo cristão na tentativa de reaver a chamada transcendência vertical, devido a este ver na relação com Deus um dado primordial no esclarecimento da situação humana.O existencialismo de Rodolfo seria, dessa forma, diferente do existencialismo de Sartre, que "ao recusar Deus, termina por também negar ao homem a transcendência vertical, ou seja, a relação de dependência e de apelo que o homem poderia manter com um ser que encerra em si a própria temporalidade humana, pela razão de tê-la criado".(Fascículos "História do Pensamento", n.º 58. Ed. Nova Cultural, 1987, pág. 689 e 690). Então me senti estranho e meio perturbado por encontrar-me ocupado em fazer cotejo entre Jean-Paul Sartre e Rodolfo Abrantes. E decidi apreciar o mar.



quinta-feira, 23 de maio de 2013

Tudo ao Mesmo Tempo Agora (de Titãs a Zygmunt Bauman)



E afinal, talvez não seja a nossa época apenas um tempo de transições e indefinições aparentemente relativistas demais, "enlatada" e rotulada de pós-moderna e ou como criativamente fez Bauman, submetida a  invenções sociológicas como "Tempos líquidos" onde nada é para durar. Nossa época pode ser a época da consolidação social, política, cultural e filosófica da diversidade em todas as suas dimensões. Em nosso tempo, é possível que não se tenha mais que optar em ser "isto" ou "aquilo", talvez possamos ser "isto" e também "aquilo", tudo ao mesmo tempo agora, como panfletava o sexto álbum de estúdio da banda Titãs (1991). Talvez possamos ser simultaneamente "líquidos" e "sólidos" e até mesmo "gasosos" em nossas relações. Quem sabe? É possível até o aproveitamento ou reciclagem dos rótulos e das invenções sociológicas. Nossa época com toda a sua multiplicidade de descobertas, aprimoramentos tecnológicos, direcionamentos difusos, conhecimentos em espiral e certo reconhecimento da decadência do absoluto poderá, sem muita dificuldade, comportar essa possibilidade. Ou não?


Johnson Sales.

quarta-feira, 22 de maio de 2013

"Bonita demais para trabalhar" - PHD diz que beleza no trabalho é “maldição””


Britânica de 33 anos diz ter dificuldade com empregos por ser "bonita demais para trabalhar"


Aos 33 anos, a britânica Laura Fernee não teria dificuldades em arranjar trabalho como modelo ou garota-propaganda de cosméticos para rejuvenescimento. O belo sorriso, o olhar expressivo e as curvas perfeitas, no entanto, são apontados pela PHD como uma “maldição para o trabalho”.

A constatação não foi feita pelos superiores, mas Laura relata que largou o trabalho em um laboratório em 2011 porque estaria há três anos sofrendo assédio constante de colegas do sexo masculino e perseguição das mulheres ciumentas.

Laura Fernee garante que nunca lhe faltou inteligência, mas a beleza tem atrapalhado seu desempenho no mercado de trabalho. A britânica de 33 anos é PhD em medicina, mas virou destaque na mídia quando revelou que foi forçada a abandonar o emprego porque ela seria “bonita demais para trabalhar”.


A beldade diz que, apesar de ser uma excelente profissional, ela era frequentemente atacada pelas colegas que invejavam sua beleza. E o pior: parece que as meninas do laboratório ficavam ainda mais irritadas quando descobriam que ela era mais competente, e a briga comia solta.

Em uma aparição no programa “This Morning”, na ITV,  ela revelou aos apresentadores que estava escrevendo um livro para ajudar as mulheres a lidar com situações semelhantes no local de trabalho.

Desempregada, a doutora em Ciências diz que a beleza tem atrapalhado sua vida profissional. O assédio dos homens e a ciumeira das mulheres foram a causa do pedido de demissão do último trabalho.

“Minha boa aparência tem causado grandes problemas quando o assunto é emprego. Eu sei que as pessoas vão me julgar por não trabalhar, mas subestimam a maldição de ser bonita no local do trabalho. Não sou preguiçosa, mas também não sou um brinquedo”, afirmou a doutora, em entrevistas à imprensa britânica.

Sustentada pelos pais, Laura Fernee pretende relatar em um livro as experiências vividas por causa de sua “maldição”.

“As colegas de trabalho viram a cara ou soltam piadinhas, incomodadas pela beleza. Tenho certeza que outras mulheres vivem os mesmos problemas, mas não se manifestam por receio de serem rotuladas”, acredita.

Fonte:  trabalhando.com



Um homem de conhecimento



– “Quando um homem começa a aprender, ele nunca sabe muito claramente quais são seus objetivos. Seu propósito é falho; sua intenção, vaga. Espera recompensas que nunca se materializarão, pois não conhece nada das dificuldades da aprendizagem.”

“Devagar, ele começa a aprender… a princípio, pouco a pouco, e depois em porções grandes. E logo seus pensamentos entram em choque. O que aprende nunca é o que ele imaginava, de modo que começa a ter medo. Aprender nunca é o que se espera. Cada passo da aprendizagem é uma nova tarefa, e o medo que o homem sente começa a crescer impiedosamente, sem ceder. Seu propósito toma-se um campo de batalha.”

“E assim ele se depara com o primeiro de seus inimigos naturais: o medo! Um inimigo terrível, traiçoeiro, e difícil de vencer. Permanece oculto em todas as voltas do caminho, rondando, à espreita. E se o homem, apavorado com sua presença, foge, seu inimigo terá posto um fim à sua busca.”

 (…)
– “E o que pode ele fazer para vencer o medo?”
– “A resposta é muito simples. Não deve fugir. Deve desafiar o medo, e, a despeito dele, deve dar o passo seguinte na aprendizagem, e o seguinte, e o seguinte. Deve ter medo, plenamente, e no entanto não deve parar. É esta a regra! E o momento chegará em que seu primeiro inimigo recua. O homem começa a se sentir seguro de si. Seu propósito toma-se mais forte. Aprender não é mais uma tarefa aterradora. Quando chega esse momento feliz, o homem pode dizer sem hesitar que derrotou seu primeiro inimigo natural.”

(…)
– “Uma vez que o homem venceu o medo, fica livre dele o resto da vida, porque, em vez do medo, ele adquiriu a clareza… uma clareza de espírito que apaga o medo. Então, o homem já conhece seus desejos; sabe como satisfazê-los. Pode antecipar os novos passos na aprendizagem e uma clareza viva cerca tudo. O homem sente que nada se lhe oculta.”
“E assim ele encontra seu segundo inimigo: a clareza! Essa clareza de espírito, que é tão difícil de obter, elimina o medo, mas também cega.”

“Obriga o homem a nunca duvidar de si. Dá-lhe a segurança de que ele pode fazer o que bem entender, pois ele vê tudo claramente. E ele é corajoso porque é claro; e não para diante de nada, porque é claro. Mas tudo isso é um engano; é como uma coisa incompleta. Se o homem sucumbir a esse poder de faz-de-conta, terá sucumbido a seu segundo inimigo e tateará com a aprendizagem. Vai precipitar-se quando devia ser paciente, ou vai ser paciente quando devia precipitar-se. E tateará com a aprendizagem até acabar incapaz de aprender qualquer coisa mais.”

(…)
– “Mas o que tem de fazer para não ser vencido?”
– “Tem de fazer o que fez com o medo: tem de desafiar sua clareza e usá-la só para ver, e esperar com paciência e medir com cuidado antes de dar novos passos; deve pensar, acima de tudo, que sua clareza é quase um erro. E virá um momento em que ele compreenderá que sua clareza era apenas um ponto diante de sua vista. E assim ele terá vencido seu segundo inimigo, e estará numa posição em que nada mais poderá prejudicá-lo. Isso não será um engano. Não será um ponto diante da vista. Será o verdadeiro poder.”

“Ele saberá a essa altura que o poder que vem buscando há tanto tempo é seu, por fim. Pode fazer o que quiser com ele. Seu aliado está às suas ordens. Seu desejo é ordem. Vê tudo o que está em volta. Mas também encontra seu terceiro inimigo: o poder!”

“O poder é o mais forte de todos os inimigos. E, naturalmente, a coisa mais fácil é ceder; afinal de contas, o homem é realmente invencível. Ele comanda; começa correndo riscos calculados e termina estabelecendo regras, porque é um senhor.”

“Um homem nesse estágio quase nem nota que seu terceiro inimigo se aproxima. E de repente, sem saber, certamente terá perdido a batalha. Seu inimigo o terá transformado num homem cruel e caprichoso.”

(…)
– “E como o homem pode vencer seu terceiro inimigo, Dom Juan?”
– “Também tem de desafiá-lo, propositadamente. Tem de vir a compreender que o poder que parece ter adquirido na verdade nunca é seu. Deve controlar-se em todas as ocasiões, tratando com cuidado e lealdade tudo o que aprendeu. Se conseguir ver que a clareza e o poder, sem controle, são piores do que os erros, ele chegará a um ponto em que tudo está controlado. Então, saberá quando e como usar seu poder. E assim terá derrotado seu terceiro inimigo.”

“O homem estará, então, no fim de sua jornada do saber, e quase sem perceber encontrará seu último inimigo: a velhice! Este inimigo é o mais cruel de todos, o único que ele não conseguirá derrotar completamente, mas apenas afastar.”

“É o momento em que o homem não tem mais receios, não tem mais impaciências de clareza de espírito… um momento em que todo o seu poder está controlado, mas também o momento em que ele sente um desejo irresistível de descansar. Se ele ceder completamente a seu desejo de se deitar e esquecer, se ele se afundar na fadiga, terá perdido a última batalha, e seu inimigo o reduzirá a uma criatura velha e débil. Seu desejo de se retirar dominará toda a sua clareza, seu poder e sabedoria.”

“Mas se o homem sacode sua fadiga e vive seu destino completamente, então poderá ser chamado de um homem de conhecimento, nem que seja no breve momento em que ele consegue lutar contra o seu último inimigo invencível. Esse momento de clareza, poder e conhecimento é o suficiente.”


Carlos Castañeda (A Erva do Diabo).


Existencialísmo e Névoa em um dia de sol


Pequenos espelhos d'agua refletindo nuvens brancas imóveis e céu azul. O tempo aparentava estar parado enquanto o relógio movia seus ponteiros com uma graça nada corriqueira. Dias assim são singulares pela beleza e pela generosidade. Poderia caminhar até a praça, ou visitar um amigo próximo, ou ainda ler um livro sentado à sombra de alguma árvore, bem distante da internet e de qualquer coisa que lembre tecnologia ou comunicação de massa. O espírito fica mais livre e ousado em circunstâncias como essa. Mais propício à filosofia ou a um bom romance que trate de alguma forma o existencialísmo como parte ideletável do cotidiano materialísta. Um dia bom. O vento resolveu aparecer e envolvia os corpos com um friozinho que arrepiava a pele e fazia bocejar. Pensou na Islândia, ou Iceland, que significa terra de gelo e que pode chegar a menos quarenta graus celsius. Isso o fez apreciar mais ainda o calor tropical agradavelmente atenuado pela brisa fria. Tem dias em que se está mais suscetível a concepções holísticas de vida. Hoje certamente é um desses dias. Mas não se preocupem, não pretendia sair por ai dizendo: _Bom dia pássaros! Bom dia flores! O materialísmo histórico em sua cultura pessoal funcionava como âncora sempre firme e garantidora contra devaneios ocasionais e sentimentalísmos inconsequentes. Mas hoje talvez termine o dia imerso no gostoso “ Névoa”, romance de Miguel de Unamuno, que em sua abordagem lembra Platão e suas "leis" e Shakespeare e sua teoria de que “o mundo é um palco. E os homens são meros atores. E cada um no seu tempo representa diversos papéis”.


Don Johnson de Sales.



terça-feira, 21 de maio de 2013

O amor? Pássaro que põe ovos de ferro.

"De Araçuaí, eu trouxe uma pedra de topázio. (...) Isto, sabe o senhor por que eu tinha ido lá daqueles lados? De mim, conto. Como é que se pode gostar do verdadeiro no falso? Amizade com ilusão de desilusão. Vida muito esponjosa. Eu passava fácil, mas tinha sonhos, que me afadigavam. Dos de que a gente acorda devagar. O amor? Pássaro que põe ovos de ferro. Pior foi quando peguei a levar cruas minhas noites, sem poder sono. Diadorim era aquela estreita pessoa – não dava de transparecer o que cismava profundo, nem o que presumia. Acho que eu também era assim. Dele eu queria saber? Só se queria e não queria. Nem para se definir calado, em si, um assunto contrário absurdo não concede seguimento. Voltei para os frios da razão. Agora, destino da gente, o senhor veja: eu trouxe a pedra de topázio para dar a Diadorim; ficou sendo para Otacília, por mimo; e hoje ela se possui é em mão de minha mulher! Ou conto mal? Reconto..." (2001, p. 77).

Trecho de Grande Sertão: Veredas  um livro de João Guimarães Rosa escrito em 1956. Pensado inicialmente como uma das novelas do livro Corpo de Baile, lançado nesse mesmo ano de 1956, cresceu, ganhou autonomia e tornou-se um dos mais importantes livros da literatura brasileira e da literatura lusófona.


O mundo secreto do inconsciente


Ele ocupa a maior parte do cérebro e controla quase tudo o que fazemos. Mas a ciência já sabe como domá-lo e usar os poderes dele para várias coisas, de guardar senhas a fazer espionagem militar. Conheça as novas descobertas sobre o inconsciente - e veja como elas confirmam a principal teoria de Freud.

Quando tinha pouco mais de cinquenta anos, o médico africano T.N. sofreu dois derrames cerebrais devastadores. Eles destruíram totalmente seu córtex visual, a região do cérebro que nos permite enxergar. T.N. ficou completa e irremediavelmente cego. Mas, ainda no hospital, um grupo de cientistas ingleses decidiu recrutá-lo para um estudo estranho. Colocaram um laptop na frente de T.N. e pediram a ele que identificasse qual figura aparecia na tela, que poderia ser um círculo ou um quadrado. O homem identificou corretamente 50% das figuras - o que é de se esperar num cego, pois esse índice de acerto é o mesmo que se consegue fazendo escolhas aleatoriamente. T.N. estava apenas chutando. Mas aí, num segundo teste, os pesquisadores trocaram as imagens exibidas no laptop. Agora, aparecia uma sequência de rostos, alguns amigáveis e outros hostis. T.N. deveria dizer se cada face era amiga ou inimiga. Para perplexidade geral, ele identificou corretamente dois terços dos rostos. Sorte? Os cientistas repetiram o teste, mas o índice de acerto se mantinha. T.N. estava tendo alguma reação aos rostos. Ele dizia que não estava vendo nada - e, clinicamente, de fato era impossível que enxergasse. Como explicar isso, então? Um fenômeno sobrenatural? Não.

Ser capaz de ler expressões faciais é uma habilidade extremamente importante. Para o homem das cavernas, saber se um indivíduo era amistoso ou hostil poderia significar a diferença entre a vida e a morte. E era preciso fazer isso no ato; não dava tempo de conversar e analisar racionalmente a pessoa para saber se ela era boazinha ou não. Por isso, ao longo da evolução, uma região cerebral se especializou em julgar rostos. Ela se chama área fusiforme e é um pedaço fininho e comprido da parte de baixo do cérebro. Quando você vê uma pessoa pela primeira vez, sua área fusiforme analisa o rosto dela. O processo dura frações de segundo e é inconsciente, ou seja, você não percebe que está acontecendo. Sabe aquela primeira impressão instantânea, que parece puro instinto e sempre temos ao conhecer alguém? É um julgamento feito pela área fusiforme.

No cérebro de T.N., esse pedaço estava intacto. O córtex dele não conseguia processar as imagens enviadas pelos olhos, mas a área fusiforme sim. É por isso que, mesmo estando cego, T.N. ainda conseguia ver rostos. Seu cérebro consciente não enxergava mais nada. Mas o inconsciente dele ainda conseguia ver - e, mais do que ver, julgar os rostos das pessoas.

Há diversos casos como o de T.N., tantos que a ciência até criou um termo para designá-los: blindsight, ou visão cega. Todos seguem o mesmo padrão. Conscientemente, a pessoa está cega - mas partes do cérebro dela ainda conseguem enxergar. A visão cega é apenas uma das demonstrações do poder do inconsciente, que interessa cada vez mais aos cientistas.

Agora, o lado oculto da mente não é apenas um assunto de psicanalistas; ele também virou uma das áreas mais interessantes da neurociência moderna. Essa transformação aconteceu porque as técnicas de mapeamento cerebral finalmente estão permitindo que os cientistas comecem a desbravar o inconsciente - um mundo inexplorado e muito maior que a consciência.

Quão maior? No ano passado, a emissora inglesa BBC fez essa pergunta a sete dos maiores experts do mundo em cérebro e cognição, de quatro grandes universidades (Oxford, Montreal, Columbia e Londres). Cada um deles deu seu palpite - sim, palpite, pois a ciência ainda está longe de ter um catálogo completo dos processos cerebrais. Pelas estimativas dos especialistas, a consciência ocupa no máximo 5% do cérebro. Todo o resto, 95%, é o reino do inconsciente.

CONSCIENTE X INCONSCIENTE
Quando você vê um rosto pela primeira vez, o seu inconsciente decide, em frações de segundo, se aquela pessoa é amiga ou inimiga. É uma habilidade vital para a sobrevivência - e também permitiu que um homem totalmente cego voltasse a enxergar.


Muito do que você faz, o tempo inteiro, é inconsciente. Falar, por exemplo. Você simplesmente pensa no que quer dizer (as ideias), e não precisa selecionar conscientemente as palavras - elas simplesmente aparecem. Isso acontece porque o seu inconsciente trabalha nos bastidores durante o papo, vasculhando o seu vocabulário e abastecendo o consciente para ajudar você a se expressar. Enquanto você escuta outra pessoa falar, acontece algo parecido. Você não precisa analisar e decodificar conscientemente cada palavra do que ela está dizendo - porque o seu inconsciente se encarrega de transformar em ideias os sons que estão saindo da boca dela. Quando você lê um texto, é a mesma coisa: o inconsciente transforma automaticamente os símbolos gráficos (as letras e palavras) da página em ideias, que só então são transmitidas para a sua consciência. É por isso que é tão difícil aprender outro idioma. Quando você começa a falar ou ler textos em outra língua, só usa a consciência - porque o inconsciente ainda não assumiu a tarefa (mais sobre isso daqui a pouco), e você tem de escolher ou analisar as palavras uma por uma. "Falar outro idioma é quase experimentar ser outra pessoa. Precisamos reunir os sentidos usando outra lógica", diz Luiza Surreaux, doutora em estudos da linguagem e professora da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).

O inconsciente se encarrega de tudo o que fazemos sem esforço perceptível, como andar na rua ou escovar os dentes. Por causa disso, ele opera em potência máxima o tempo todo - e é uma exceção no organismo. Se você se levantar e sair correndo, por exemplo, os seus músculos vão gastar aproximadamente 100 vezes mais energia do que se você estivesse imóvel (e coração e pulmão também serão mais exigidos). Mas o cérebro é diferente. Quando você faz alguma coisa mentalmente intensa, como jogar xadrez, ele gasta apenas 1% a mais de energia do que se você estivesse olhando para o teto, sem pensar em nada. Isso acontece graças ao inconsciente - que trabalha freneticamente até quando estamos relaxados. "O cérebro é abastecido pelos olhos, ouvidos e outros sentidos, e o inconsciente traduz tudo em imagens e palavras", diz o psicólogo e neurocientista Ran Hassin, professor da Universidade Hebraica de Jerusalém e um dos autores do livro The New Unconscious ("O novo inconsciente", ainda não lançado no Brasil). "Novo inconsciente", aliás, é o termo que os cientistas têm utilizado para definir essa nova abordagem - que propõe uma explicação puramente neurológica para o lado oculto da mente. Mas também confirma a principal ideia de Freud.
LER X VER
Enquanto lê este texto, você vê uma sequência de símbolos: as letras. Mas é o seu inconsciente que dá sentido a elas.


PSICANÁLISE X CIÊNCIA
Sigmund Freud não foi o "descobridor" do inconsciente. Já durante o Iluminismo, no século 18, se discutia a existência dele - entendido como um pedaço da mente dotado de vontades que escapavam ao controle consciente. A contribuição específica (e enorme) de Freud foi transformar uma noção vaga num conjunto de ideias, teorias e técnicas: a psicanálise. Como explica o biógrafo Peter Gay em Freud - Uma Vida para Nosso Tempo (Companhia das Letras, 2012), Freud acreditava que o inconsciente era "uma prisão de segurança máxima" na qual os traumas sofridos na infância ficavam aprisionados, e nisso estaria a raiz das infelicidades humanas.

A neurociência nunca deu muita bola para a psicanálise. Mas os novos estudos sobre inconsciente trazem comprovação para um conceito central dela. Uma experiência liderada pelo psiquiatra Eric Kandel, que ganhou o prêmio Nobel de Medicina de 2000 por estudos sobre neurotransmissores, mostra como o inconsciente pode funcionar como amplificador das emoções. Antes da experiência, os voluntários preencheram questionários que mediam seus níveis de ansiedade. Depois, enquanto seu cérebro era monitorado pelos cientistas, cada voluntário via uma série de rostos com expressões de medo. Foram duas sessões. Na primeira, as fotos passavam bem devagar, com tempo suficiente para o voluntário analisar os detalhes de cada uma. Na segunda, as imagens passavam tão rápido que os voluntários não conseguiam identificar nada - não tinham nem certeza de ter visto um rosto ou qualquer outra coisa. A intenção de Kandel e seus colegas era provocar emoções conscientes e inconscientes. Quando a foto ficava por um bom tempo na tela, o voluntário tinha tempo de perceber conscientemente a expressão de medo da imagem. No outro experimento, era tudo tão rápido que não era possível ter uma reação consciente. Essas imagens rápidas estimulavam diretamente o inconsciente, e provocavam atividade muito alta no núcleo basolateral da amídala cerebral - área ligada às sensações de medo. Já as imagens lentas, que eram interpretadas de forma consciente, não geravam nenhuma atividade nessa área. Quanto mais ansiosa a pessoa era, maior a diferença entre a interpretação consciente e inconsciente da mesma coisa (as imagens). Para Kandel, o estudo é a comprovação neurocientífica de uma teoria central da psicanálise: a interpretação inconsciente de coisas negativas é a fonte de muitas das aflições humanas. Freud tinha razão.
EXPERIÊNCIA X INFLUÊNCIA
Você é o produto das situações que vive. Mas também sofre uma influência que vem de dentro - e é tão potente quanto elas.


O inconsciente pode ser fonte de angústias - e também de algumas injustiças, cujos efeitos são perceptíveis desde a infância. O queridinho do professor, provavelmente, será o aluno com as melhores notas da classe. Não porque ele seja necessariamente o melhor, mas porque os professores acreditam que seja - e acabam atuando inconscientemente a favor dele. Esse fenômeno, que se chama incentivo inconsciente, tem respaldo em diversos estudos científicos. Um dos mais engenhosos (e mais polêmicos também) foi conduzido na década de 1960 por Robert Rosenthal, hoje um octogenário professor de psicologia da Universidade da Califórnia.

Na experiência, os alunos de uma escola americana foram submetidos a uma prova. Rosenthal e sua equipe disseram aos 18 educadores do colégio que se tratava de um teste especial, desenvolvido na Universidade Harvard para analisar o potencial de desenvolvimento de cada criança. Mentira. Era apenas um reles teste de QI, sem nada de especial. O objetivo da lorota era aumentar as expectativas dos professores. Os alunos fizeram a prova, e a grande sacada de Rosenthal veio na hora de anunciar o resultado. Antes mesmo de calcular a pontuação de cada aluno, os pesquisadores escolheram aleatoriamente três a seis crianças de cada série e disseram aos professores que aqueles alunos haviam se destacado e teriam um desempenho extraordinário nos anos seguintes. Era outra mentira.

No final do ano escolar, a equipe de Rosenthal voltou à escola e repetiu o teste. Os alunos que haviam sido falsamente diagnosticados como gênios haviam ganho, em média, 3,8 pontos de QI a mais que os demais. O resultado foi ainda mais surpreendente entre alunos da primeira série: a diferença entre os ungidos e o resto foi de assombrosos 15,4 pontos de QI a mais. Ou seja: as crianças que haviam sido apresentadas como mais inteligentes de fato se tornaram mais inteligentes - porque inconscientemente, sem querer, os professores haviam dado mais atenção e estímulo a elas. "O resultado mais importante desse experimento foi mostrar como a expectativa dos professores faz toda a diferença para o desenvolvimento dos alunos", analisa Rosenthal. É impossível ser completamente justo e imune a esse tipo de influência, mas existe um antídoto eficaz contra as distorções induzidas pelo inconsciente: saber que ele sempre está pronto para nos enganar.

APRENDER SEM SABER
Se, por um lado, é impossível controlar o inconsciente de maneira consciente, é possível influenciá-lo. "Podemos mudá-lo. Ele é tão maleável quanto a consciência, ou talvez mais", afirma o neurologista Ran Hassin. Como se faz isso? Praticando alguma coisa até que ela se torne uma segunda natureza, ou seja, vire um processo automático. Qualquer profissional de elite, seja um pianista profissional, um jogador da seleção brasileira de futebol, um médico-cirurgião ou uma bailarina do Theatro Municipal, depende de anos de prática para chegar ao topo da carreira. Cerca de dez anos de prática - ou 10 mil horas de treino, segundo uma famosa pesquisa do psicólogo Anders Ericsson, da Universidade da Flórida. Ericsson estudou violinistas de uma das melhores escolas de música de Berlim. Eles começaram com cinco anos de idade, todos no mesmo ritmo. Mas, a partir dos oito anos, as horas de ensaio começaram a variar entre os estudantes. Quando chegaram aos 20 anos, os melhores violinistas haviam somado 10 mil horas de treino, enquanto os demais não passavam de 8 mil horas - e os piores da turma tinham apenas 4 mil horas de estudo.
SENTIR X PENSAR
O consciente e o inconsciente reagem de modo diferente à mesma coisa. O primeiro é racional; o segundo, carregado de emoção.

A dedicação trouxe recompensa porque, quando se pratica muito alguma coisa, ela fica gravada num tipo especial de memória: a memória não-declarativa, que faz parte do inconsciente e registra ações e movimentos do corpo. É ela que permite que o violinista consiga tocar bem. Se dependesse apenas do consciente, ele não daria conta de todos os procedimentos envolvidos na tarefa (ler a partitura, equilibrar o instrumento no ombro, posicionar os dedos, mover o arco, respirar e, ainda por cima, tocar de maneira natural e relaxada). E ninguém conseguiria aprender a falar fluentemente um segundo idioma. Em suma: a chave para ensinar uma nova habilidade ao próprio inconsciente é treinar, treinar e treinar. É um processo bem demorado. Mas já existe gente tentando deixá-lo mais rápido.
CRIA X FALA
Você decide o que quer falar, mas não escolhe as palavras que vai usar - o seu inconsciente faz isso por você. Ele pega as suas ideias e cria a sua fala. Quando você está aprendendo outro idioma, isso não acontece: a consciência tem de se virar sozinha.

AS SENHAS INVISÍVEIS
Elas são um problema típico do mundo moderno. Ou você acaba esquecendo as suas, ou escolhe uma bem bobinha e usa pra tudo - até que, por causa disso, alguém acaba invadindo o seu e-mail ou conta bancária. Um grupo de cientistas da Universidade Stanford tem uma solução melhor: senhas ultrassecretas, que ficam armazenadas no inconsciente. Funciona assim. Primeiro, os cientistas pedem a voluntários que joguem um joguinho no qual bolinhas caem, uma de cada vez, em uma das seis colunas que aparecem na tela. O objetivo é apertar o botão do teclado correspondente à posição da bolinha na tela. Se a bolinha cai do lado esquerdo, por exemplo, a pessoa aperta a letra S (porque ela fica bem à esquerda no teclado). A ordem das bolinhas parece aleatória, mas não é. A pessoa não percebe, mas existe uma sequência que se repete de tempos em tempos - cerca de 90 vezes ao longo de 30 minutos, a duração do jogo. Essa sequência é definida pelo computador e é personalizada, ou seja, diferente para cada jogador. Ela é a senha. E, graças à repetição, acaba sendo gravada no inconsciente da pessoa.

Na segunda etapa da experiência, a pessoa joga o joguinho novamente. E as bolinhas vão caindo na tela do mesmo jeito: sua ordem parece aleatória, mas uma sequência específica (a senha) se repete de tempos em tempos. Como as bolinhas caem bem depressa, o jogador erra muitas. Exceto as bolinhas daquela sequência que ficou gravada no inconsciente dele. Sem perceber nem saber o motivo, a pessoa acerta todas. Está digitada a senha. Ela é reconhecida pelo computador, que libera o acesso. Além de ser conveniente (você nunca mais precisará se lembrar de uma senha), a tecnologia é extremamente segura. "O sistema torna praticamente impossível para um assaltante forçar a vítima a revelar sua senha bancária, por exemplo. Porque a senha está no cérebro da pessoa, mas não está acessível conscientemente a ela", explica Hristo Bojinov, um dos criadores da tecnologia.

Segundo ele, o sistema de senhas inconscientes pode chegar ao mercado dentro de três anos, mas ainda precisa ser aperfeiçoado. Por enquanto, ele é inviável para uso cotidiano - porque é preciso jogar o joguinho durante 5 a 10 minutos até que a senha inconsciente seja digitada. Dez minutos é bastante. Mas é bem menos do que as 10 mil horas do exemplo anterior. Ou seja: a nova técnica mostra que é possível inserir informações simples no inconsciente muito mais depressa do que se acreditava.

O Exército americano já percebeu, e está tentando tirar proveito disso. A ideia é ajudar os analistas de imagens aéreas, funcionários do Pentágono que olham as fotos tiradas pelos satélites espiões dos EUA - e dizem quais delas contêm algo relevante (como um reator nuclear ou uma base militar inimiga, por exemplo). É um trabalho cansativo e difícil, pois são milhares de fotos aparentemente iguais, com diferenças minúsculas. Mas o cientista Paul Sajda, da Universidade Columbia, teve a ideia de monitorar o cérebro de um analista enquanto ele olhava essas fotos. O analista vestiu uma touca de eletroencefalograma (EEG), cheia de sensores que medem a atividade elétrica em determinadas regiões do cérebro. Aí Sajda mostrou a ele uma foto relevante, ou seja, na qual se via claramente uma construção suspeita. O eletroencefalograma registrou um pico de atividade cerebral - pois aquela imagem havia despertado a curiosidade do analista. Normal.

Mas aí os pesquisadores resolveram acelerar as coisas, e começaram a exibir dez imagens por segundo. Algumas das fotos eram relevantes, outras não, mas todas passavam rápido demais para que o analista conseguisse prestar atenção em qualquer coisa. Mesmo assim, quando aparecia uma foto relevante, algo incrível acontecia: o eletroencefalograma registrava um pico de atividade no cérebro dele. O analista não conseguia perceber nada de diferente nas imagens, mas o inconsciente dele sim - e estava identificando as fotos que tinham pontos interessantes. De acordo com Sajda, o novo método permite aumentar em até 300 vezes a eficiência da análise de imagens militares. "Os processos inconscientes são capazes de algum tipo de racionalidade, muito mais do que se pensa, e essa racionalidade pode levar a boas decisões", escreve o neurocientista Antonio Damasio no livro E o Cérebro Criou o Homem.

HANS, O CAVALO ESPERTO
O inconsciente não é apenas um depósito de traumas reprimidos e habilidades incríveis. Ele também é especialista em fazer o contrário: colocar tud  o pra fora. O psicólogo Paul Ekman, da Universidade da California, ficou famoso por ter catalogado mais de 10 mil conjuntos de "microexpressões" - expressões faciais que fazemos inconscientemente enquanto conversamos, e que podem revelar nossas verdadeiras emoções. Inclusive se o seu interlocutor for um cavalo.

Em 1904, o alemão Wilhelm von Oster ficou famoso por suas apresentações com Hans - um cavalo que era capaz de "quase tudo, menos falar". Segundo o dono, Hans fazia cálculos matemáticos complexos. Quando perguntavam a raiz quadrada de quatro, o bicho respondia batendo o casco duas vezes no chão. A conexão era tanta que Hans acertava o resultado mesmo quando seu mestre não fazia as perguntas em voz alta - e apenas pensava nelas. Havia quem jurasse de pés juntos que o cavalo lia a mente de Von Oster. A dupla rodou a Alemanha em apresentações fantásticas, e deixou estudiosos debruçados sobre o mistério durante anos. Em 1907, o psicólogo Oskar Pfungst publicou um estudo que solucionava a charada. Hans só acertava os resultados quando seu `entrevistador¿ (no caso, Von Oster) já sabia a resposta certa. Pfungst descobriu um padrão: Von Oster se inclinava levemente para frente quando terminava de propor uma questão. Esse era o sinal. Hans entendia e começava a bater o casco no chão. Quando atingia o número certo de batidas, algum outro movimento do dono denunciava a hora de parar. Von Oster era um charlatão, então? Talvez. Mas muitas outras pessoas, que não sabiam de nada, desafiaram Hans com problemas matemáticos. O cavalo acertou todos. É que elas, sem saber, também coordenavam com movimentos inconscientes as respostas dele. Ou seja: cavalos talvez não saibam fazer contas, mas podem ser capazes de ler o inconsciente alheio com mais precisão do que muito humano.

Ainda não existe uma fórmula que permita controlar o que dizemos de forma inconsciente. Emitimos sinais inconscientes o tempo todo - a ponto de sermos transparentes até para cavalos. É por isso que é tão difícil fingir: todo mundo percebe quando achamos que uma festa está meio chata, por exemplo. Mas não vá culpar o seu inconsciente por isso. Se não fosse ele, você sequer conseguiria dançar e conversar ao mesmo tempo.
 

ROTINA X MUDANÇA
Um estudo neurológico provou que o inconsciente exagera as coisas ruins - e confrontá-lo pode ser a chave para superar angústias.
Memória subliminar
Como funciona o sistema que permite gravar senhas de computador no inconsciente

1. Você joga um game em que bolinhas caem na tela - e o objetivo é apertar a letra do teclado correspondente à coluna na qual a bolinha está caindo.

2. A ordem das bolinhas parece aleatória, mas não é. Você não percebe, mas existe uma sequência de 30 letras que se repete várias vezes durante o jogo. Ela é a senha - e, de tanto ser repetida, fica gravada no seu inconsciente.

3. Para acessar o computador, você joga novamente o game. Como as bolinhas caem bem rápido, você erra muitas delas - exceto aquela sequência de 30, que o seu inconsciente gravou, e por isso você acerta. A máquina reconhece a senha e libera seu acesso.

Percepção acelerada
Exército dos EUA já sabe usar o poder do inconsciente para turbinar a visão humana

1. O militar veste uma touca de eletroencefalograma (EEG), aparelho que mede as correntes elétricas do cérebro.

2. Uma tela mostra dez imagens por segundo. É rápido demais para que a pessoa tenha qualquer reação consciente.

3. Mas quando aparece uma imagem relevante (mostrando uma base militar inimiga, por exemplo), o inconsciente percebe - e o EEG registra um pico de atividade cerebral.

4. A técnica permite que um analista militar processe até 36 mil imagens por hora - e com três vezes mais precisão do que se estivesse usando a consciência.

Reportagem: Alexandre de Santi e Sílvia Lisboa* Edição: Bruno Garattoni/* Colaboração de Cristine Kist, Bianca Carneiroe e Ana Becker. Fonte:  http://super.abril.com.br/ciencia/mundo-secreto-inconsciente-741950.shtml



Caetano e o significado da gíria curtir


Uma aula de clareza e posicionamento diante da mídia ao defender a importância do uso das gírias e questionar a noção de "coisas importantes" que o entrevistador utilizava para disseminar preconceitos nem tanto sutís contra a juventude. Vale a pena assistir!

Admirável Mundo Nôvo



"O Diretor abriu uma porta. Encontraram-se numa sala vazia, vasta, clara e cheia de sol, pois toda a parede do lado sul apenas se compunha de uma enorme janela. Uma meia dúzia de enfermeiras, vestidas com as calças e os casacos regulamentares de pano de viscose branco, os cabelos assepticamente ocultos em gorros brancos, estavam ocupadas em dispor no chão, numa longa fila que ia de um extremo ao outro da sala, vários vasos de rosas. Grandes vasos com muitas flores. Milhares depétalas, completamente desabrochadas e de uma suavidade de seda, semelhantes às faces de inúmeros e pequenos querubins, mas de querubins que, nessa luz brilhante, não eram exclusivamente róseos e arianos, mas também luminosamente chineses e mexicanos apopléticos por terem soprado em demasia nas trombetas celestes, e ainda outros pálidos como a morte, pálidos como a brancura póstuma do mármore.As enfermeiras perfilaram-se à entrada do D. I. C.- Coloquem os livros - disse ele secamente. Silenciosamente, as enfermeiras obedeceram à ordem.Entre os vasos de rosas, os livros foram cuidadosamente dispostos, uma fila de "in quarto" infantis, abertos de maneira tentadora, com imagens alegremente coloridas de animais, peixes ou aves.- Agora façam entrar as crianças. Elas saíram rapidamente da sala e voltaram a entrar ao fim de um minuto ou dois, empurrando cada uma um carrinho onde, em cada uma das suas quatro prateleiras de tela metálica, vinha um bebê de oito meses, todos exatamente iguais - um grupo Bokanovsky, era evidente -, e todos, pois pertenciam à casta Delta, vestidos de cor de caqui.- Ponham-nos no chão. As crianças foram tiradas dos carros.- Agora voltem-nos de maneira que possam ver as flores e os livros.Voltados, os bebés calaram-se imediatamente. Depois começaram a gatinhar em direcção a essas cores brilhantes, a essas formas tão alegres e tão vivas nas páginas brancas. Enquanto eles se aproximavam, o Sol libertou-se de um eclipse provisório em que tinha sido mantido por uma nuvem. As rosas fulguraram como sob o efeito de uma súbita paixão interna e uma nova e profunda energia pareceu espalhar-se sobre as brilhantes páginas dos livros. Das filas dos bebés elevou-se um murmúrio de excitação, gorjeios e assobios de prazer.O Diretor esfregou as mãos.- Excelente! - disse. - Mesmo feito de propósito, não poderia ser melhor.Os gatinhadores mais rápidos tinham já atingido o seu alvo.O Pequenas mãos se estenderam, incertas, tocando, segurando, desfolhando as rosas transfiguradas, rasgando as páginas iluminadas dos livros. O director esperou que todos estivessem alegremente ocupados. Depois disse:- Observem bem. E, levantando a mão, fez um sinal. A enfermeira-chefe, que se encontrava junto de um quadro de comandos eléctricos, no outro extremo da sala, baixou um pequeno manípulo.Houve uma violenta explosão. Aguda, cada vez mais aguda, uma sereia apitou. Campainhas de alarme vibraram, obsidiantes.As crianças assustaram-se e começaram a berrar. Os seus pequenos rostos estavam contorcidos de terror.- E agora - gritou o Diretor (o ruído era de ensurdecer) agora passemos à operação que tem por fim fazer penetrar a lição a fundo por meio de uma ligeira descarga eléctrica.Agitou de novo a mão e a enfermeira-chefe baixou um Segundo manípulo. Os gritos das crianças mudaram subitamente de tom. Havia qualquer coisa de desesperado, quase de demente, nos uivos penetrantes e espasmódicos que então lançavam. Os pequenos corpos contraíam-se e retesavam-se, os membros agitavam-se em movimentos sacudidos, como se fossem puxados por fios invisíveis.- Podemos fazer passar a corrente em toda esta metade do soalho - gritou o Diretor, como explicação.- Mas isto chega - disse, fazendo um sinal à enfermeira.As explosões cessaram, as campainhas calaram-se, o uivo da sereia amorteceu lentamente até ao silêncio. Os corpos retesados e contraídos distenderam-se, e o que fora soluços e urros de loucos furiosos em potência transformou-se de novo em berros normais de terror vulgar.- Dêem-lhes outra vez os livros e as flores.As enfermeiras obedeceram. Mas à aproximação das rosas, à simples vista dessas imagens alegremente coloridas do miau, do cocorocó e do cordeirinho preto que faz mé-mé, as crianças recuaram com horror. Os berros aumentaram subitamente de intensidade.- Observem - disse triunfantemente o Diretor -, observem.Os livros e os ruídos aterradores, as flores e as Odescargas elétricas, formavam já no espírito das crianças pares ligados de maneira comprometedora; no fim de duzentas repetições da mesma lição ou de outra semelhante, estariam ligados indissoluvelmente. Aquilo que o homem uniu, a Natureza é impotente para separar.- Eles crescerão com aquilo a que os psicólogos chamam um ódio instintivo aos livros e às flores. Reflexos inalteravelmente condicionados. Nada quererão com a literatura e com a botânica durante toda a vida. - O Diretor voltou-se para as enfermeiras: - Podem levá-los."

Aldous Huxley nasceu em 1894 foi um escritor inglês que veio de uma família de intelectuais, alguns do mundo da medicina e outros da literatura, Huxley se envolveu com as duas partes, se formou em medicina na universidade de Oxford, mas logo descobriu sua veia literária e assim aproveitou para colocar suas preocupações ideológicas como a liberdade individual em crítica ao autoritarismo do Estado. Sua obra-prima o livro Admirável Mundo Novo  foi escrito na década de 30, uma ficção científica que influência muitos escritores até os dias de hoje.

Luxúria, Vinho e Armani Underwear



Quantas batidas por minuto cabem num coração aficionado? Estou certo de que ninguém se prepara pra isso. O rádio trazia em música ambiente a jovem grega Malu Kyriakopoulou cantando "Amor perfeito" de Roberto Carlos em português. Parecia algo gravado de um desses programas de descoberta de talentos, tipo ídolos, ou sei lá o quê? Também não sei porque considerei adequado para a cena. Em outras circunstâncias consideraria inapropriado e desestimulante. Não costumo misturar romantísmo e erotismo gratuitamente. Acho vulgar proceder assim. A não ser que tal interpretação sensorial cumpra algum papel estratégico necessário para a obtenção dos resultados esperados. Sei também que parece cafajeste pensar e fazer assim. Mas já muito que me libertei da ditadura dos rótulos e do politicamente correto em situações "casanovianas" se é que isto existe.

Renato Russo disse que sexo verbal  não fazia seu estilo. Para o mesmo, palavras são erros. E os erros, a outrem pertenciam. Não concordo totalmente. Mas também não guardo muito apreço pela verbalização da cópula. No entanto, em se tratando de preliminares, reservo alguma importância para a oralidade, sem duplo sentido, ou com. O risco é cair no chulo descontextualizado e comprometer o evento como um todo.

A luz azulada do Abajur "cor de carne" na mesinha no canto da sala me lembrou Ritchie e sua "Menina Veneno", o que me fez de súbito focar a atenção naquelas pernas antes que mais breguices
ameaçassem o clima.

Também já ouvi dizer que o vinho libera as mulheres ou pelo menos as deixa mais fáceis de persuadir. Na verdade nunca pude comprovar tais teorias. As mulheres sempre me pareceram muito mais "donas da situação" quando estavam sob o efeito dos vinhos, sendo eles caros ou mais baratos, verdes ou de safras antigas e prestigiadas.

Os quartos perdem parte de sua beleza diante das camas em certas ocasiões. As camas parecem exercer uma certa tirania em relação à arquitetura e decoração dos quartos, principalmente quando estão à meia luz.

"Mundo verde" e vinho parecem combinar com luxúria como Hidrogênio combina com Oxigênio em relação à água e terminam por gerar resultados igualmente indispensáveis à vida moderna dos homens e das mulheres.

E em pouco tempo o grego, o português ou o hit oitentão que me viera à cabeça, não passavam de cacofonias fantasmagóricas sem nenhuma importância para a realização humana das vontades, caprichos e graças de Baco. E realmente. Quando o deus Rá principou sua travessia pelo céu, não havia mais sinal ou resquício algum de manifestações musicais de gosto duvidoso no ambiente. Apenas duas garrafas vazias, duas taças, algumas "bitucas" e algumas peças de Armani Underwear descansando no carpete.


Don Johnson de Sales.





Bonnie e Clyde, Robin Hood e "Mundo Verde" - Inspiração pra "Vida Louca" e Motivação pra Sociólogo estudar



Adrenalina, algum terel, possibilidades de "virada" na vida e uma mudança de status que o capitalísmo nega aos que vem "de baixo". O futebol já tá "viciado" a arte domesticada e monopolizada demais. A subida de status tem sido escalada "na bala". Nas ruas "Zé ninguem" vira "patrão" como registra e documenta a letra do RAP (ritmo e poesia em português). E quem vai negar o potencial afrodisíaco da marijuana quando misturada ao sexo. Os sociológos terão que correr para dar conta dos novos fatos sociais que podem jogar algum papel na explicação dos mais novos (e não tão novos assim) motivos e motivações que abarrotam as ruas de versões street de Bonnie e Clyde. O desvio parece passagem obrigatória para um número cada vez maior de jovens situados às margens das gozolândias da elite endinheirada. E um dos maiores fascínios que alimentaram e alimentam o mito de Robin Hood, não é só o fato do arqueiro de Sherwood tirar dos ricos e dar para os pobres. Mas também, o fato de além disso, ele simbolizar o desafio a uma elite pródiga e mesquinha. E no mais, bandido que tira do rico e fica com o que espoliou, se for pobre, já estará nutrindo dessa forma alguma versão contemporânea do mito em questão. São novos sinais de fumaça hidropônica que surgem na floresta de concreto e vidro. São indícios de que algo mais do que crime, perdição, amoralidade, pecado ou maldade se insinua por entre as vielas pixadas da metrópole, nos alto-falantes dos "carros de malandro" e nas cabeças dos avatares modernos de Bonnie e Clyde. Examinar, conhecer e compreender tais nuances do "cenário louco" da nossa moderna sociedade capitalista urbana, se não contribuir para mudar as coisas, pelo menos tem o potencial de uma instigante aventura em meio à "fauna" de "monstrões bagdá" e "vidas loucas" e por entre a flora "desviante" que compõe o "mundo verde" que inspira e sensualiza o lugar. 


Johnson Sales.

 

O Homem vazio



O relógio marcava 3:27 da madrugada. Acordara suando muito e impaciente. Notou que sentia uma terrível sensação de vazio. Se achava um homem vazio! Ele. Não sua vida. Sua vida era plena; cheia de possibilidades, pessoas interessantes e acontecimentos normais e anormais. Mas sua pessoa, essa sim, era destituída de conteúdos relevantes. 

Os muitos relacionamentos amorosos, sexuais, amorosos-sexuais, representavam uma prova inconteste de sua falta de profundidade, já que acreditava que nesse caso, a quantidade denunciava a escassez de qualidade. Foi até a geladeira e serviu-se de um copo de chá gelado. Notou que as paredes da cozinha pareciam úmidas e que a tinta amarela já descascava ameaçando precipitar-se sobre a cerâmica grande, preta e antiderrapante que também já apresentava sinais de desgaste. A casa toda parecia em acentuada decadência. Isto lhe fez pensar em como havia negligenciado aspectos importantes da sua vida nos últimos vinte anos. A vida lhe pareceu nesse instante com uma casa mal cuidada, pelo menos a sua especificamente, um desses imóveis dignos e nobres com uma robusta tradição familiar, com histórias acomodadas nos seus vários cômodos, uma casa que outrora representou a prosperidade e todo o orgulho pouco discricionário da família. Mas que uma vez passada de mão em mão através dos anos, termina por cair em mãos desleixadas de pessoas rasas de conteúdo como ele.

Pensou em fumar um cigarro e desistiu. O mais sensato seria voltar para a cama e tentar dormir e pela manhã procurar algum pintor; ou pedreiro; ou bombeiro hidráulico; ou carpinteiro; qualquer profissional desses que se encontra nesses catálogos de serviços de bairro ou na internet e começar uma reforma na casa.

Quanto a sua propria vida? Provavelmente ainda seguiria descascando a textura amarelada por algum tempo. Afinal, profissionais para consertá-la, até existem. Mas a reforma, para funcionar de verdade, terá que ser feita por ele mesmo e contar com insumos e materiais que atualmente acredita estarem em falta já que se considera um homem vazio.

Don Johnson de Sales.