“Levar o conhecimento da Economia
Criativa para o sistema de moda do País pode ajudar a solucionar vários
problemas da indústria do vestuário nacional e não apenas para a indústria em
si, mas para a própria sociedade”.
Tal
afirmação consta do estudo “Desenvolvimento do Sistema de Moda a partir
dos Estudos sobre Economia Criativa” realizado por Fernanda Cereser Fracaro,
Juliana Teixeira de Paiva, Lucas da Rosa e Talyta Duarte Bastos. Tal
afirmação é tão assertiva que chega a parecer lugar comum. Mas, o mais
interessante é que muita gente não consegue enxergar nem o potencial econômico
da moda, nem sua imediata relação com a Economia Criativa, e muito menos, a
economia criativa e a moda como instrumentos para resolver problemas da
sociedade.
Muita
gente enxerga erroneamente a moda apenas como algo elitista e supérfluo. Da
mesma forma que não conseguem ver as possibilidades sociais de inclusão, e
mesmo o potencial emancipatório da Economia Criativa, em um País altamente
criativo e desigual como o nosso.
O
Trabalho Imaterial, segundo Michael Hardt
e Antonio Negri, começa
a hegemonizar o mundo do trabalho como um todo. Como Trabalho Imaterial, Hardt e Negri entendem o tipo de trabalho “que
gera produtos imateriais, como a informação, o conhecimento, ideias, imagens,
relacionamentos e afetos”. Longe de oferecer um consenso em
torno de si, o termo “Trabalho Imaterial”
é ainda bastante polêmico e discutido. Mas nos serve por enquanto para dar
conta mesmo que parcialmente das atividades imaginativas e criadoras do mundo
da moda, que geram produtos derivados de simbolismo e carregados de
significados e significantes, muitas
vezes, intrinsecamente ligados à comunicação, comportamento, imagem e status.
Quanto à Economia Criativa, ficaremos
com a compreensão da Secretaria Nacional de Economia Criativa do Ministério da
Cultura do Governo Federal brasileiro que a entende como, pactuada nos seguintes
princípios: inclusão social, sustentabilidade, na inovação, e na diversidade
cultural brasileira. Denominando setores criativos aqueles cujas atividades
produtivas têm um ato criativo gerador de um produto, bem ou serviço, cuja
dimensão simbólica é determinante do seu valor, resultando em produção de
riqueza cultural, econômica e social. A definição, como admite a própria
secretaria, parece vaga demais. Mas, para um conceito ainda em formação, não
poderia, e nem deveria, ser diferente. E no mais, essa compreensão acolhe
perfeitamente a moda, setor do qual, nos ocupamos nesse instante.
A
importância social da moda
O antropólogo americano Marshall
Sahlins escreve em seu livro “Cultura e Razão Prática” sobre o Sistema de Vestuário Americano:
“Observaremos,
pois, o que é produzido no sistema do vestuário. Por várias características
objetivas, um item do vestuário torna-se apropriado para o homem ou para a
mulher, para a noite ou para o dia, para “usar em casa” ou “na rua”, para
adultos ou adolescentes. O que é produzido é, portanto, em primeiro lugar,
tipos de status aos quais todas as pessoas pertencem. Essas poderiam ser
chamadas de “coordenadas nocionais” do vestuário, na medida em que demarcam
noções básicas de tempo, lugar e pessoa como constituídos na ordem cultural. Daí
ser esse esquema classificatório, o que é reproduzido no vestuário. No entanto,
não é só isso. Não são simplesmente os limites, as divisões e subdivisões entre
grupos etários ou classes sociais, por exemplo: por um simbolismo específico
das diferenças no vestuário, o que é produzido são as diferenças significativas
entre essas categorias. Ao manufaturar peças de vestuário de cortes, modelos ou
cores diferentes para mulheres e para homens, reproduzimos a distinção entre
feminilidade e masculinidade tal como é conhecida nessa sociedade. Isso é o que
ocorre no processo pragmático-material da produção”.
Assim, se partirmos do pensamento de Marshall
Sahlins, entenderemos que o trabalho
imaterial na moda, produz símbolos, e reproduz cultura. E mais ainda,
perceberemos que essa produção, baseada na criatividade e essa reprodução sociocultural
de símbolos de status e, de padrões de comportamento, representam ferramentas
poderosas de cristalização de diferenças de gênero, diferenças de classe e
diferenças culturais. E certamente, não será difícil inferir, que o inverso também
é viável. A moda pode cumprir também o papel de subverter essas relações, por
meio da geração de símbolos e significados que apontem para a redução, e mesmo
o esgotamento dessas estratificações que possam vir a ser consideradas
socialmente prejudiciais ou opressivas. Não pretendo aprofundar neste texto,
essa questão. Apenas ressalto que não podemos desdenhar desse grande poder
potencial da moda. E que devemos levar em consideração essas possibilidades ao
tratar do tema.
A moda é uma excelente alternativa para
se trabalhar com a Economia Criativa. E essa junção deve ser fomentada e apoiada
urgentemente, sobretudo, numa perspectiva social, popular e solidária.
A moda já influencia comportamentos em
todas as classes sociais. Deve agora passar a ser instrumentalizada pelos
trabalhadores e pelas classes menos favorecidas e mais exploradas, como
alternativa de inclusão socioeconômica, superação da pobreza e desenvolvimento
local de comunidades. Os ganhos serão muitos sem dúvida. E se for trabalhada do
ponto de vista social, a moda também poderá cumprir um importante papel
cultural e de formação, inclusive política e cidadã para o povo cearense e
brasileiro.
Deixo aqui todo o meu incentivo e apoio
ao Fórum Permanente da Moda e a Rede Colaborativa de Economia Criativa
do Estado do Ceará (E-Criativa) e o apelo para que ambos possam iniciar
diálogos e colaboração entre si, o mais rápido possível, para juntos pautarem a
Secretaria da Cultura do Estado (SECULT), o Criativa Birô do Ceará e a
Secretaria Nacional de Economia Criativa do Ministério da Cultura do Governo
Federal.
Saudações a quem tem coragem, talento e
criatividade.
Por Johnson
Sales
Consultor em Economia Criativa e Advocacy.