Pesquisar este blog

sábado, 1 de junho de 2013

A lenda do impossível "Não"


O segredo lhe fora confiado há muitas luas passadas, em um tempo de ventos muito mais uivantes e trovões bastante estridentes. Havia uma gruta. Incrustada no topo da serra, lá pras bandas da grande Gameleira, por detrás do íngreme despenhadeiro e entre o riacho verde e o velho Abacateiro.

Pele lisa, macia e reluzente, seios fartos apontando para o nirvana; os quadris largos, vistosos demais e simetricamente ajustados  à sua estrutura corporal privilegiada, os cabelos encaracolados e a voz doce e capitosa. Os meninos, jamais deveriam ir até lá. Os homens, evitavam até comentar. Só as mulheres seriam imunes aos seus feitiços e estariam fora do alcance da atração.

_ Uma escultura de carne e osso! É isso que se move por entre as folhas e flores daquele lugar.

Disse a velha matriarca da família Andradas.

Os pés sempre descalços, ligeiros e sem nenhuma imperfeição, pisam suave por entre pedras, espinhos, cobras e animais peçonhentos do ecossistema local. O que é do mato não lhe ataca. E até Jaguatirica - dizem - vem ronronar sobre as suas pernas. É o que nos contavam os mais velhos. É o que a memória quis preservar.

_ Macho que se entrega, de lá num vorta. Ocê pode acreditá!

Falou dona Florinda do alto dos seus 94 anos bem vividos e quase sempre regados ao sabor da aguardente serrana misturada a mel e canela e sob a fumaça densa do tabaco envolto em palha. Na ocasião, saboreava uma revigorante xícara de chá de Erva-cidreira.

Se banha nua em pêlos num poço de águas claras, todo cheio de pés de Macela, flores de  açucena e folhas de Jacarandá, e se acredita, como parte de um ritual fantástico que lhe preserva a juventude eterna. Suas coxas, grossas e torneadas, dizem, são capazes de aprisionar por décadas ao "Casanova" que se aventurar. A noite passada em seu leito de devassidão, afirmam ser compatível com uma eternidade passada em todos os paraísos imaginados pelas mais diversas religiões da terra. Até aquele das várias virgens, há quem diga que não consegue igualar. Mas o pecado é de tal monta, que o pecador se recusa a se salvar.

Não se sabe de homem, menino ou rapaz algum que tenha conseguido ou querido retornar. Este ser de perdição é encantado. Assim dizem os anciões, os adivinhos e as benzedeiras do povo. Falam que um coração traído em dias muito distantes; um desertor das trincheiras desleais da ilusão, fora guardado para sempre no fundo daquela gruta dando origem à maldição. O coração teria sido enterrado numa urna lacrada, envolta nas roupas íntimas recém-usadas da mais perfeita figura feminina que aquele "pé de serra" já viu nascer. Foi mesmo lá, na encosta da montanha, que a linda mulher conhecera e se despedira para sempre do amor.

Sua desilusão teria sido de tal forma sobre-humana, que a dor e o desespero teriam separado o corpo do sentimento, o amor do sexo, o compromisso do desejo, a libido da paixão e a afetividade do beijo. Restaram duas entidades distintas, uma musa e um coração. Juntas, mas apartadas. Uma é coisa do passado, a outra, é tentação.

Mas tudo sobre ou sob esta terra, tem um limite, escuta um "não". O da rainha das "noites quentes" é o "não", que se sabe impossível, de um adolescente na puberdade, com os hormônios em ebulição. Só essa recusa tem o poder de quebrar o encanto e libertar todas as gerações de machos enfeitiçados que montam guarda naquela gruta pra proteger o tal coração. Uma vez desenterrado e posto diante dos olhos da bruxa sedutora, o coração ao ser exposto à sua visão, de imediato, desfaz toda a maldição.

Sentado em silêncio absoluto logo a baixo da janela veneziana do seu quarto de dormir e ouvindo atentamente toda a história enquanto folheava uma conhecida revista masculina, adepta inconfessável dos fetiches do Fotoshop, o jovem aventureiro, anti-herói de ocasião, tomara a mais importante e estimulante decisão de toda a sua, até este momento, despropositada e descompromissada existência. Seguiria na próxima noite alta, de lua prateada e nova, com a nobre missão de libertar as legiões de almas masculinas cativas e precisadas de sua valentia. Ou quem sabe, diante de todo o altruísmo que a sua idade e o seu caráter, ainda em formação, lhe permitiam, ficar mesmo por lá.


*ilustração:  Druuna personagem de Paolo Serpieri. Ver mais em: http://kafekultura.blogspot.com.br/2009/07/paolo-serpieri-e-druuna.html

Don Johnson de Sales.