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sexta-feira, 29 de janeiro de 2016

O impacto da arte urbana sobre os fluxos humanos na cidade



Que forças definem trajetos na cidade? O que nos leva de um ponto a outro? Quais motivações nos fazem optar por esta, ou por aquela rota? O que tem de voluntário em cada direção ou destino escolhido?
Fluxos humanos (ou de humanos) se movem por entre as ruas e desenham correntezas no grande “oceano de concreto” que é a metrópole. O que me intriga, e me instiga, é não saber ao certo qual a força motriz por trás de cada um desses fluxos. O lazer; o prazer; a paixão; o medo; a ganância ou o belo, o que é que define, impulsiona, anima, ou altera o fluxo dos homens e mulheres pelas ruas da “pólis”?
Que o ócio, o trabalho, a educação e todas essas outras motivações cumprem a tarefa de traçar, impulsionar e alterar os fluxos pelas artérias vivas das cidades me parece cada vez mais, um fato. Percebo a ação dessas forças em relação aos fluxos, a partir do que elas interferem comigo mesmo, ao me estimular ou mesmo forçar a definir, pausar, acelerar, reduzir ou alterar, a velocidade e as direções em que me movo sobre a epiderme da cidade.
E muito embora essas minhas percepções, por si só, já demandem muito estudo.
Na verdade, o meu foco neste texto está voltado para descobrir se a arte urbana também pode se inscrever nesta categoria de forças capazes de definir, motivar ou alterar a velocidade e ou a direção de fluxos humanos na cidade.
Um “grafitti” pintado em um muro de uma escola ou nas colunas de um viaduto poderia fazer com que uma pessoa, ou várias, reduzisse o seu ritmo de passos e até parasse por alguns minutos diante da pintura para contemplá-la, alterando assim em velocidade o seu fluxo predeterminado? As cores recém-emprestadas a um velho navio encalhado na orla - e coberto por anos com a monocromia da ferrugem – seriam, pelo menos em alguns casos, suficientes para que transeuntes adotassem determinado trajeto que favorecesse a sua contemplação?
E quantos alunos universitários, com as suas câmeras e celulares nas mãos, não definiriam e ou alterariam, o seu trajeto para catar “pixos” pelos muros e apresenta-los em seus trabalhos acadêmicos?
E o que dizer dos escritos urbanos mais imperativos como as pichações do tráfico e do crime organizado nas paredes de determinadas comunidades: “Reduza a velocidade, abaixe os vidros e os faróis”?
A linguagem “urbanizada” do poder assiste as intervenções artísticas urbanas confirmarem Certeau . A cidade, ou vários dos seus “pedaços” - para ficar com uma expressão de Magnani - se insurge contra as “operações programadas e controladas”. As cores, a estética e o simbólico da arte urbana com todos os seus significados e significantes, se inscrevem nas astúcias e naquelas combinações de poderes “sem identidade” e “impossíveis de gerir”.
Se for assim, então, a arte urbana pode alterar ou definir o fluxo humano sobre e sob o relevo da cidade?
A arte urbana parece atentar contra o “não lugar”; parece preencher os espaços com “razões para se estar ali”; parece impactar também sobre a “errância” e diminuir o que Michel de Certeau chamou em “A invenção do Cotidiano” de “Experiência social da privação de lugar”. O caminhante caminha à procura de um lugar que lhe ofereça o significado específico que ele busca. Este significado pode ser no final da jornada, o que funda o lugar. Porem, durante a caminhada, encontra a arte urbana, preenchendo com outros significados, os lugares (antes, “não lugares”) por onde passa. Então, essa caminhada agora preenchida de significados pela arte urbana, é um mosaico de lugares que preenchem a jornada – agora menos errante – no trajeto até o lugar, na busca do qual, o caminhante caminha. Dessa forma, seria coerente pensar que a arte urbana, não só define e altera trajetos na cidade, mas também, cria lugares através da geração de significados?
Mas, na definição de Certeau, o lugar é uma configuração instantânea de posições. Implicando uma “indicação de estabilidade”. E mais, o lugar é único. Só podendo ser ocupado por uma “coisa” de cada vez. Novamente, aqui, a arte urbana inova e parece subverter a logica posta. O pixo, ou o grafitti, ou ainda o Stencil atuam sobrepondo lugares. O lugar “oficial” recebe sobre as suas cores, um novo lugar. O lugar do viaduto agora também é o lugar do grafitti. O lugar da placa de trânsito é ao mesmo tempo o lugar do pixo. O lugar do fotosensor, também é o lugar do Stencil.
O que concluo é que a arte urbana não só tem o poder de definir e alterar rotas de fluxos humanos na cidade, como também, tem a capacidade de criar lugares a partir da geração de significados que sobrepõe a outros, ressignificando assim trajetos e trajetórias na cidade.

*Foto: (Painéis da mostra "Nordestinando" 2006 - realizada pelos grafiteiros do Fórum Cearense de Hip Hop com curadoria de Zé Tarcísio para o Centro Cultural Dragão do Mar). Acervo: Território Criativo.


Sousa, M.J.S. - 2016.