Que
forças definem trajetos na cidade? O que nos leva de um ponto a outro? Quais
motivações nos fazem optar por esta, ou por aquela rota? O que tem de
voluntário em cada direção ou destino escolhido?
Fluxos
humanos (ou de humanos) se movem por entre as ruas e desenham correntezas no
grande “oceano de concreto” que é a metrópole. O que me intriga, e me instiga,
é não saber ao certo qual a força motriz por trás de cada um desses fluxos. O
lazer; o prazer; a paixão; o medo; a ganância ou o belo, o que é que define,
impulsiona, anima, ou altera o fluxo dos homens e mulheres pelas ruas da
“pólis”?
Que
o ócio, o trabalho, a educação e todas essas outras motivações cumprem a tarefa
de traçar, impulsionar e alterar os fluxos pelas artérias vivas das cidades me
parece cada vez mais, um fato. Percebo a ação dessas forças em relação aos
fluxos, a partir do que elas interferem comigo mesmo, ao me estimular ou mesmo
forçar a definir, pausar, acelerar, reduzir ou alterar, a velocidade e as
direções em que me movo sobre a epiderme da cidade.
E
muito embora essas minhas percepções, por si só, já demandem muito estudo.
Na
verdade, o meu foco neste texto está voltado para descobrir se a arte urbana
também pode se inscrever nesta categoria de forças capazes de definir, motivar
ou alterar a velocidade e ou a direção de fluxos humanos na cidade.
Um
“grafitti” pintado em um muro de uma escola ou nas colunas de um viaduto
poderia fazer com que uma pessoa, ou várias, reduzisse o seu ritmo de passos e
até parasse por alguns minutos diante da pintura para contemplá-la, alterando
assim em velocidade o seu fluxo predeterminado? As cores recém-emprestadas a
um velho navio encalhado na orla - e coberto por anos com a monocromia da
ferrugem – seriam, pelo menos em alguns casos, suficientes para que transeuntes
adotassem determinado trajeto que favorecesse a sua contemplação?
E
quantos alunos universitários, com as suas câmeras e celulares nas mãos, não
definiriam e ou alterariam, o seu trajeto para catar “pixos” pelos muros e
apresenta-los em seus trabalhos acadêmicos?
E
o que dizer dos escritos urbanos mais imperativos como as pichações do tráfico
e do crime organizado nas paredes de determinadas comunidades: “Reduza a
velocidade, abaixe os vidros e os faróis”?
A
linguagem “urbanizada” do poder assiste as intervenções artísticas urbanas
confirmarem Certeau . A cidade, ou vários dos seus “pedaços” - para ficar
com uma expressão de Magnani - se insurge contra as “operações
programadas e controladas”. As cores, a estética e o simbólico da arte urbana
com todos os seus significados e significantes, se inscrevem nas astúcias e
naquelas combinações de poderes “sem identidade” e “impossíveis de gerir”.
Se
for assim, então, a arte urbana pode alterar ou definir o fluxo humano sobre e
sob o relevo da cidade?
A
arte urbana parece atentar contra o “não lugar”; parece preencher os espaços
com “razões para se estar ali”; parece impactar também sobre a “errância” e
diminuir o que Michel de Certeau chamou em “A invenção do Cotidiano” de
“Experiência social da privação de lugar”. O caminhante caminha à procura de um
lugar que lhe ofereça o significado específico que ele busca. Este significado
pode ser no final da jornada, o que funda o lugar. Porem, durante a caminhada,
encontra a arte urbana, preenchendo com outros significados, os lugares (antes,
“não lugares”) por onde passa. Então, essa caminhada agora preenchida de
significados pela arte urbana, é um mosaico de lugares que preenchem a jornada
– agora menos errante – no trajeto até o lugar, na busca do qual, o caminhante
caminha. Dessa forma, seria coerente pensar que a arte urbana, não só define e
altera trajetos na cidade, mas também, cria lugares através da geração de
significados?
Mas,
na definição de Certeau, o lugar é uma configuração instantânea de
posições. Implicando uma “indicação de estabilidade”. E mais, o lugar é único.
Só podendo ser ocupado por uma “coisa” de cada vez. Novamente, aqui, a arte
urbana inova e parece subverter a logica posta. O pixo, ou o grafitti, ou ainda
o Stencil atuam
sobrepondo lugares. O lugar “oficial” recebe sobre as suas cores, um novo
lugar. O lugar do viaduto agora também é o lugar do grafitti. O lugar da placa
de trânsito é ao mesmo tempo o lugar do pixo. O lugar do fotosensor, também é
o lugar do Stencil.
O que concluo é que a arte urbana não só tem o
poder de definir e alterar rotas de fluxos humanos na cidade, como também, tem
a capacidade de criar lugares a partir da geração de significados que sobrepõe
a outros, ressignificando assim trajetos e trajetórias na cidade.
*Foto: (Painéis da mostra "Nordestinando" 2006 - realizada pelos grafiteiros do
Fórum Cearense de Hip Hop com curadoria de Zé Tarcísio para o Centro
Cultural Dragão do Mar). Acervo: Território Criativo.
Sousa, M.J.S. - 2016.