*Reproduzido do BLOG Café com Sociologia.com https://cafecomsociologia.com/suicidio-emile-durkheim/
O Suicídio em Durkheim: alguns apontamentos*
Durkheim define “suicídio” como toda
morte que resulta direta ou indiretamente de um ato positivo ou negativo
da própria vítima que esta esteja ciente que produz esse resultado.
“Chaque société est prédisposé à fournir um contingent déterminé de morts volontaires. Cette prédisposition peut donc être l’objet d’une tude spéciale et qui ressortit à la sociologie”.
Para Durkheim o suicídio é um Fato
Social quando trata-se de um conjunto de suicídios em certa sociedade e
em certo período; quando é total (que não é a soma de unidades
independentes), um fato novo e sui generis. Para ele, as sociedades têm, em cada momento, uma disposição definida para o suicídio.
“A taxa de suicídios constitui, portanto, uma ordem de fatos única e determinada; é o que demonstram, ao mesmo tempo, sua permanência e sua variabilidade. Já que esta permanência seria inexplicável se ela não se devesse a um conjunto de caracteres distintivos, solidários uns com os outros, que, apesar da diversidade das circunstâncias ambientes, se afirmam simultaneamente; e esta variabilidade testemunha a natureza individual e concreta destes mesmos caracteres, uma vez que variam como a própria individualidade social”. (DURKHEIM, 1986, p.14)
Na obra “O Suicídio”, Durkheim buscou identificar as causas sociais de suicídio e os seus tipos. Sua metodologia consistiu, grosso modo,
em classificar as causas para categorizar os tipos. Para esse
sociólogo, conhecida as natureza das causas podemos deduzir à natureza
dos efeitos.
Uma
pergunta de Durkheim parece ter sido central em seu estudo: Quais são
as situações dos diferentes meios sociais (religião, família, sociedade
política, grupos profissionais) em função dos quais o suicídio varia?
Durkheim buscou identificar a relação
entre suicídio e religião, examinando a relação entre a taxa de suicídio
e as confissões religiosas. Ao comparar alguns países, identificou que
nos países católicos a prática do suicídio era menor.
Embora a “natureza dos sistemas religiosos”
protestantes e católico proibissem o suicídio, Durkheim encontrou
alguns elementos importantes para entender a diferença nas taxas dessa
prática. Para ele, no Catolicismo o sistema hierárquico de autoridades é
mais rígido, as doutrina é pronta e inquestionável, sendo marcada por
grande interação e as crenças e práticas são comuns aos fieis. Já no
protestantismo existiria pouca hierarquia e uma multiplicidade de
seitas, sendo o crente mais autor da sua fé, havendo pouca integração;
ou seja, menos crenças e práticas comuns entre eles. Essa menor
integração é, para Durkheim, motivado pelo fato do protestantismo
admitir um maior livre exame do livro sagrado.
Para Durkheim a causa do livre exame
estaria na necessidade da liberdade face à falência das crenças
tradicionais (e não o inverso); perda da eficiência das ideias e
sentimentos tradicionais irrefletidos para dirigir a conduta, sem um
novo sistema de crença comum. Segundo esse sociólogo, o gosto pela
instrução se aspira quando as crenças tradicionais se enfraquecem,
expandindo o individualismo. Para ele, o gosto pela instrução era maior
entre os protestantes. Nesse contexto de crise das tradições, a ciência
não é o mal, mas vista como o único remédio. A ciências não teriam
influências dissolventes, mas seria a única coisa que teríamos para
lutar contra a dissolução de que ele resulta. Durkheim defende que
silenciar a ciência não vai restaurar a autoridade das tradições
desaparecidas.
No caso específico do papel da religião,
o homem comete o suicídio, segundo Durkheim, porque a sociedade
religiosa de que faz parte perdeu a coesão.
Argumenta Durkheim que a religião exerce uma ação profilática sobre o
suicídio, isso por possuir uma conjunto de crença e práticas
tradicionais e obrigatórias, exercendo a função de integração, criando
situações coletivas que integram a comunidade. Quanto mais integrada
esta, maior sua virtude de preservação.
Para Durkheim, o protestantismo é
superior em taxas de suicídios por ser menos integrador. Quanto menos
vínculo com outros indivíduos, mais propício ao suicídio estará o
indivíduo. Eis ai a dimensão moral do suicídio egoísta destacado por
Durkheim.
Durkheim analisa também a relação entre o
Judaísmo e o suicídio. Para ele as perseguição contra esse povo foi
fonte de fortalecimento da solidariedade,
tendo sua identidade fortalecida. O Judaísmo estaria marcado por um
corpo de práticas que regulamentam minunciosamente os detalhes da
existência, deixando pouco espaço para o julgamento individual. A
ciência não teria tido, afirma o sociólogo, um impacto contrário a essa
religião, isso porque sua tradição estava muito bem consolidada. Desta
forma, o Judaísmo seria uma evidência de que a ciência não destrói a
tradição. Os judeus tiveram acesso à ciência e sua tradição continua
sólida, argumentava Durkheim.
Durkheim buscou destacar que o suicídio é uma doença da época. Para ele a anomia
seria a causa principal. A anomia seria um estado marcado pela falta de
regulamentação, paixões ilimitadas, horizontes infinitos e tormento:
cenário potencializador da prática de suicídio.
Os sinais de morbidades destacadas por
Durkheim foram: necessidades ilimitadas; ultrapassagem infinita dos
meios que se torna um fim, descontentamento; ligação tênue com a vida;
paixão pelo infinito; situação onde nenhuma conquista vale por si mesmo
etc.
De acordo com Durkheim os indivíduos que
não acumulam experiências reais, torna-se fracos e diante de um
problema real não suportam a pressão, tendendo a cometer suicídio.
Outro elemento potencializador da
prática de suicídio são às crises econômicas. Para ele, a crise promove o
suicídio por ruptura de equilíbrio, seja de prosperidade ou de pobreza.
Mas como explicar que a melhoria da vida leve a uma maior desapego por
ela? Para o sociólogo, as necessidades humanas não dependem do corpo; os
desejos do indivíduo são ilimitados. Uma sede inextinguível é um
suplício perpetuamente renovado. As paixões têm que ser limitadas pela
força moral da sociedade que regula e modera as necessidades, atendendo
ao bem comum. Para ele, as paixões devem ser limitadas, caso contrário,
torna-se um tormento.
Quando a sociedade é perturbada por
crises ou mudanças repentinas, a pressão moral perde força, os
indivíduos não se ajustam a suas posições, o valor das forças sociais
permanece indeterminado, sem regulamentação as ambições são
superexcitadas, causando o sofrimento e, consequentemente, crescimento
do suicídio. O desenvolvimento da indústria e ampliação indefinida do
mercado fortalece o desencadeamento dos desejos e a busca desenfreada
por conquistas, o que consequentemente, favorece a ampliação das taxas
de suicídios.
O restabelecimento da ordem moral não é
possível de forma rápida. Atualizar a educação moral não é algo
instantâneo. Por isso, Durkheim se preocupará em reformar o ensino
francês: laica, pública, gratuita (organizado pelo Estado que representa
o geral e não o particular). Sem uma educação homogênea há uma
tendência de anomia (se cada família educasse seus filhos, haveria uma desregulamentação moral).
A causa do suicídio, estaria, grosso modo,
na “ausência da sociedade” na vida do indivíduo. O Suicídio egoísta é
marcado pela ausência da coesão coletiva, o desprovimento de objetivos e
significados. Suicídio anômico é marcado pelo efeito da falta de
regulamentação moral que limita as paixões individuais.
Durkheim aborda o papel do casamento
sobre as taxas de suicídio. Para ele, o casamento age em sentido
contrário sobre o homem e sobre a mulher. Como pais têm o mesmo
objetivo, mas como cônjuges os interesses seriam diferentes e muitas
vezes antagônicos. Durkheim identificou, por meio da estatística, que só
os homens casados contribuem para a maior taxa de suicídio nas
sociedades com divórcios frequentes; nestas as mulheres cometem menos
suicídio. Como nossa vida depende do quanto estamos integrados à
sociedade, o divórcio, para o homem teria um impacto muito grande sobre a
prática de suicídio, assim como a maior taxa de suicídio estaria entre
os homens solteiros.
Para Durkheim, o divórcio determina o
suicídio pelas ações que exerce no casamento. Para ele, o casamento é
uma regulamentação das relações entre os sexos, abrangendo instintos
físicos e os sentimentos de todo tipo que a civilização enxertou sobre a
base dos apetites materiais, regulando toda a vida passional,
principalmente o casamento monogâmico. O casamento impõe ao homem uma
disciplina salutar (mesmo que o costume lhe dê privilégios que permitem
atenuar o rigor do regime). O divórcio enfraquece a regulamentação
matrimonial, enfraquecendo a imunidade do homem casado e fazendo com que
se aproxime das condições dos solteiros. Durkheim teria identificado
que nada disso atinge a mulher (lembrando que a mulher não tem acesso a
escola). Estando ela mais próxima da natureza, seus desejos naturalmente
são mais limitados. Mais instintiva, segue os instintos em paz e com
calma. Sendo ela tradicionalista, regula o comportamento pelos credos
estabelecidos, sem grandes necessidades intelectuais. Para o sociólogo
os interesses dos sexos são apostos, um precisa de coerção, o outro de
liberdade. Para Durkheim (ao contrário da visão comum, que acredita que o
casamento protege a mulher e sacrifica o homem), o casamento
proporciona proteção ao homem e exige sacrifício da mulher, por isso o
divórcio teria um impacto maior sobre o homem e, consequentemente,
levando-o a praticar o suicídio.
Durkheim deixa uma nota de rodapé
indicando a existência do suicídio fatalista, que seria aquele causado
pelo excesso de coerção. Embora mencionado, o sociólogo não se debruça
sobre tal tipo de suicídio.
Fontes
DURKHEIM, E. Le suicide. Paris: PUF, 1986 [1897].
Nota: * Originalmente publicado em 07 de setembro de 2013 aqui no Blog Café com Sociologia.
GARCIA, Sylvia Gemignani. Aula do curso de Sociologia I. Universidade de São Paulo/USP. Mai. 2012. (fonte oral).