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sábado, 26 de outubro de 2013

Por uma economia criativa que extrapole o ambiente das indústrias culturais

                                                             ( imagem colhida no google)

Embora relativamente nova, a concepção de Economia adjetivada com a nomenclatura Criativa vem provocando intenso debate em torno de suas reais intenções. Há quem a acuse de legitimar uma nova espécie de capitalismo neoliberal que estaria renovando as forças do capital agora com o aval das instâncias sagradas da cultura. Existem ainda os que afirmam que no Brasil a política cultural de orientação para Economia Criativa instaurada pelo MINC-Ministério da Cultura, através da Secretaria de Economia Criativa, está completamente comprometida com o mercado, em que só as grandes empresas lucrarão. No meio do debate existem também os apocalípticos que falam em destruição criativa.
            Diferente dessas posições e talvez por falar de um lugar, visto pelo Brasil ainda hoje, como um não lugar, aonde as possibilidades criativas não estão agrupadas em torno do capital, mas sobrevivem na garra e na coragem dos que fazem cultura;  eu veja com outros olhos a Economia Criativa e, portanto, me volte muito mais para as oportunidades postas, do que para as possíveis nuances perniciosas de um inovador processo econômico para quem vive de cultura.
            Vale ressaltar aos que afinam as palavras para discordar ou atacar, que tenho amplo conhecimento dos processos econômicos voltados também para o ambiente da cultura, haja vista, minha tese de doutorado e meu trabalho ao longo de anos em um banco estatal brasileiro, na área de comunicação e marketing. E é exatamente por ter estudado e vivenciado o protagonismo  do campo econômico sobre os demais campos, que tenho reclamado aqui e em outros fóruns, o protagonismo para o campo cultural em suas dimensões: antropológica e estética.
            E creiam meus poucos leitores, não estou sozinha. A UNESCO- Organização das Nações Unidas para Educação, Ciência e Cultura tem procurado aprofundar o debate em torno de um modelo desejável de desenvolvimento em que a cultura desempenhe o papel central. Já falei deste tema há algumas semanas em um artigo intitulado Centralidade da Cultura, quando chamei atenção para o fato de que esse protagonismo que tanto desejamos para a cultura deve se fazer não somente porque o campo cultural carrega em si um grande vetor de desenvolvimento, como também porque o faz a partir das referências culturais intrínsecas que definem e identificam as sociedades.
            Para Jorge Barreto Xavier e José Maria Lassalle, existe na sociedade contemporânea uma tendência a ver o lado econômico como referência e essa ideia seria não apenas uma herança das teorias e práticas capitalistas e marxistas, mas uma evidência muito além da própria teoria, da interpretação ou da prática. Tornou-se algo tão intrínseco ao se pensar ou se analisar as sociedades que qualquer outra perspectiva se tornou marginal. E como afirmam os autores acima citados, não podemos em hipótese alguma ignorar a economia nas sociedades atuais, contudo, não podemos ignorar os demais componentes da vida em sociedade, portanto, enxergar que outros campos contribuem para o desenvolvimento das sociedades.
            Nesse contexto, a utilização pelo campo cultural dos processos do campo econômico não pode ser uma via negligenciada no desenvolvimento dos territórios, sobretudo, os de pobreza e de extrema pobreza. O viés da  política cultural voltada  para a Economia Criativa deve ter em seu desenho tanto a meta do desenvolvimento holístico e aí, não só econômico, como também, o fomento à criatividade.
            Como bem disse o colega Johnson Sales no grupo Economia Criativa Brasil, grupo aberto no Facebook, “ enxergar na Economia Criativa apenas "o novo capitalismo neoliberal" corresponde a olhar através de um prisma e perceber apenas um tom monocromático. A criatividade gera os impactos mais difíceis de serem monopolizados pelos capitalistas. Ao mesmo tempo em que pode elevar a mais-valia a níveis estratosféricos, pode também gerar produtos intangíveis que apresentam caracteristicamente a propriedade de causar impactos sociais de largo alcance que escapam do monopólio capitalista. A Criatividade é o mais rebelde e anarquista dos insumos, ao mesmo tempo que é 'objeto de trabalho' difícil de ser tomado por completo do trabalhador”.
            Por outro lado, a Cultura tem contribuído de forma significativa para a economia dos países. Em 2010 pesquisas apontaram, após analisar o desempenho de 239 mil empresas ativas no setor cultural no ocidente, que nelas trabalhavam 1,7 milhão de pessoas  e que as atividades culturais obtiveram cerca de R$ 374,8 bilhões de receita líquida, despenderam R$ 329,1 bilhões de custos totais e geraram um valor adicionado de R$ 152,9 bilhões, como bem afirma Décio Coutinho no grupo fechado do Facebook Rede Iberoamericana Comunidades, Territórios e Economia Cultural e Criativa.
            Contudo, nessas contas estão setores como telefonia, indústria de eletrodomésticos, dentre outros, além das antigas indústrias culturais como cinema, música e indústria editorial. É certo que se trata de índices que contribuem para conhecer os números da cultura e seus segmentos intervenientes, todavia, percebo a Economia Criativa muito além dos setores criativos e culturais que abastecem uma pujante economia dos modismos e utilizam a criatividade como diferencial competitivo nos diferentes nichos mercadológicos, como o mercado de automóveis ou de moda.
            Eu percebo nas possibilidades colocadas pela Economia Criativa oportunidades para impulsionar a criatividade e a sustentabilidade dos setores da cultura que vivem imersos em si mesmos e nem se tornam sustentáveis, pois continuam fazendo com que os artistas necessitem de outras profissões para sobreviver; nem se tornam visíveis para a sociedade. Esse ciclo de isolamento necessita ser rompido porque o visível pode se tronar sustentável a partir de ações integradas que passam pelo conhecimento dos métodos e técnicas do campo econômico.
            Portanto, para além das críticas ácidas com referências aos mecanismos de aplicação da política voltada para Economia Criativa há pouco menos de um ano implantada pelo MINC, vale pensar além das teorias que privilegiam o econômico sobre os demais ambientes, pois na economia da cultura não é a economia que deve prevalecer, mas é a cultura que deve protagonizar o processo de desenvolvimento se apropriando da economia, e não mais se deixando apropriar por esta, como desde muito tempo tem sido feito, quando o mercado usa a cultura  para agregar valor a produtos e serviços.


Ana Regina Rêgo
Phd em Comunicação Corporativa. Mestre em Comunicação e Cultura. Jornalista. Consultora. Coordenadora  PPGCOM-UFPI. email: ana.rani@uol.com.br