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sexta-feira, 21 de junho de 2013

"Relacionamentos de Bolso" em tempos de "Amores Líquidos"


“... é possível buscar “relacionamentos de bolso” do tipo de que se “pode dispor quando necessário” e depois tornar a guardar. Ou que os relacionamentos são como a vitamina C: em altas doses, provocam náuseas e podem prejudicar a saúde. Tal como no caso desse remédio, é preciso diluir as relações para que se possa consumi-las. Ou que os CSSs — casais semi-separados merecem louvor como “revolucionários do relacionamento que romperam a bolha sufocante dos casais”. Ou ainda que as relações, da mesma forma que os automóveis, devem passar por revisões regulares para termos certeza de que continuarão funcionando bem. No todo, o que aprendem é que o compromisso, e em particular o compromisso a longo prazo, é a maior armadilha a ser evitada no esforço por “relacionar-se”. Um especialista informa aos leitores: “Ao se comprometerem, ainda que sem entusiasmo, lembrem-se de que possivelmente estarão fechando a porta a outras possibilidades românticas talvez mais satisfatórias e completas”. Outro mostra-se ainda mais insensível: “A longo prazo, as promessas de compromisso são irrelevantes. Como outros investimentos, elas alternam períodos de alta e baixa”. E assim, se você deseja “relacionar-se”, mantenha distância; se quer usufruir do convívio, não assuma nem exija compromissos. Deixe todas as portas sempre abertas."


(Zygmunt Bauman).

Recomendo o Livro "Amor Líquido" de  Zygmunt Bauman, do qual este texto é parte integrante.


 

A Crise de Representação, o PT e Bernard Manin para explicar as manifestações pelo Brasil



"Na época de sua formação, acreditava-se que os partidos de massa conduziriam o "cidadão comum" ao poder. Aparentemente, a ascensão desses partidos prefigurava não só a falência do notável, como também o fim do elitismo que caracterizara o parlamentarismo"

Esta afirmação está no ensaio "As metamorfoses do Governo Representativo" de Bernard Manin e tem muito a ver com o momento político que atravessa o Brasil. Em nosso país, nem se chegou a um pleno desenvolvimento dos chamados partidos de massa e já se chega a um amplo questionamento da democracia de partidos (para usar outro termo de Manin). Talvez mesmo, só tenhamos conhecido um único partido de massas no Brasil. E mesmo esse partido, tenha seguido rapidamente, no tempo de pouco mais de duas décadas, para o que Bernard Manin chamou de A democracia do Público. No artigo, manin cita a amargura com que Michels ao analisar o partido social-democrata alemão (Michels, 2962, Social Analysis of Leadership") demonstrou que uma grande distância separava as lideranças da base de um partido tipicamente de massas. Michels denunciava que os líderes e deputados desse partido, mesmo tendo uma origem operária, levavam vidas pequeno-burguesas e não proletárias. para Michels o partido seria dominado por essas elites "desproletarizadas" que haveriam perdido a marca distintiva da classe operária.

Tais observações feitas por Michels, podem perfeitamente ser associadas ao Partido dos Trabalhadores (PT), principal vedete da democracia de partidos brasileira. O PT ao ocupar postos de governo e principalmente ao chegar a presidência da república  teria, segundo o tipo de análise feito por Michels, proporcionado a ascensão de uma dessas elites, que chegam ao poder devido a talentos relativos a ativismo e capacidade de organização. O que comprovaria a visão de Michels, de que, o caráter elitista do governo representativo não some quando o sistema está sobre o domínio dos partidos de massa. Mas como acreditava o autor, o que acontece é a emergência de um novo tipo de elite. Se examinarmos a realidade de nosso atual sistema representativo e as metamorfoses endógenas do Partido do Trabalhadores, poderemos sem muito esforço e com um pouco de criticidade, constatar que a análise de Michels não é totalmente estranha a nossa realidade nacional.

No mesmo artigo, Bernard Manin escreve: " Na democracia de partido, os representantes não são indivíduos livres para votar segundo sua consciência e julgamento: Eles estão presos à disciplina partidária e dependem do partido que os elegeu"

Há aproximadamente 25 anos atrás, se poderia reconhecer facilmente essa configuração no relacionamento envolvendo o PT e seus parlamentares e até gestores públicos eleitos. Também no PC do B (que mesmo não representando grandes massas, pode atualmente ser compreendido como almejando o mesmo tipo de representação do Partido dos Trabalhadores) poderia se encontrar características similares. No PT haviam reuniões e plenárias de filiados organizados em suas tendências e facções internas e os mandatos parlamentares e governos da sigla mantinham conselhos políticos onde os filiados e eleitores podiam definir os rumos dos mandatos. Mas tudo isso, se foi; se perdeu. Quanto mais o partido se embrenhava no poder, mais se afastava das bases e das discussões com os seus eleitores. As decisões, cada vez mais se resumiam aos detentores de mandatos e aos integrantes da cúpula da burocracia partidária. Até a militância, símbolo e principal patrimônio histórico do partido e da forma petista de fazer política, foi sendo substituída por mercenários, mão de obra paga, os chamados "ativistas".

Ao mesmo tempo o Partido dos Trabalhadores também seguia se afastando do seu programa (que segundo Bernard manin é um dos elementos característicos do Partido de Massas) e o fazia, e o faz, em nome da governabilidade. Sobre isto, escreve Manin: "Ao longo da história, os partidos social-democratas só chegaram ao poder, e nele se mantiveram, quando aceitaram o princípio da conciliação". Lembremo-nos da histórica "Carta ao Povo Brasileiro" que transformou o Lula "sem medo de ser feliz" no Lulinha Paz e amor do marketing político-eleitoral.

Tal conciliação contribuiu enormemente para um desencanto da militância petista em relação ao partido e para uma grande decepção popular com o mesmo. Amplos setores da classe média, dos trabalhadores, dos movimentos sociais e da população em geral, passaram a ver como incoerência e até como traição de classe, essa capitulação do partido. E as coalizões feitas por Lula e Dilma na presidência da república, bem como, por outros gestores no nível estadual e municipal levaram a uma perda considerável do conteúdo programático original. Manin acredita que "Ao formar uma coalizão, o partido se coloca deliberadamente numa situação de não poder realizar todos os seus projetos. Ele escolhe aceitar uma vontade que não é a sua". Novamente parece muito com a realidade do PT, das esquerdas (em sua maioria) e do nosso sistema representativo atual.

Enquanto o sistema representativo passava por todas essas situações, no interior dos partidos outras mudanças também aconteciam de forma gradual, mas nem por isso, menos traumáticas.O partido passava a evidenciar mais as características pessoais dos seus candidatos e políticos em detrimento do seu programa e das tradicionais bandeiras políticas e ideológicas. As personalidades eram cada vez mais exaltadas e o personalismo tomava conta de todos os setores da burocracia partidária. O programa cada vez mais opaco e reduzido se confundia com o lugar comum de todas as generalizadas propostas de governo, dos vários candidatos. A pessoa do candidato e do governante passou a ser mais importante do que o programa e do que o próprio partido. É só vê a distinção que os outros partidos, a mídia, e até o povo, fazem entre o Lula e o PT (essa distinção foi fundamental e até incentivada durante a crise do chamado "mensalão") e prossegue tal distinção em relação à presidenta Dilma e o seu partido, o PT.

Segundo a visão de Bernard manin, todas essas mudanças podem representar mais do que uma crise do sistema representativo, uma metamorfose em direção a um outro tipo de governo representativo que seria A democracia do Público. Para Manin, "a predominância das legendas partidárias na determinação do voto é característica apenas de um tipo específico de representação: A democracia de partido". E a julgar pelo sentimento anti-partido estimulado pela mídia e por todas as contradições do próprio governo do tipo democracia de partido  e já internalizado por muitas pessoas presentes nas recentes e barulhentas manifestações pelas ruas do Brasil, poderemos estar assistindo realmente ao começo de mais uma metamorfose do sistema representativo brasileiro. Resta saber se os Partidos Políticos como conhecemos agora, resistirão, ou se repousarão sob os escombros deixados pelas bombas de gás lacrimogênio e balas de borracha  que abrem caminho para essa grande metamorfose que se faz ambulante (para citar Raul Seixas) pelas ruas do Brasil.


"O que está atualmente em declínio são as relações de identificação entre representantes e representados e a determinação da política pública por parte do eleitorado." (Bernard Manin).



Johnson Sales.