Análise
da Situação Social, Econômica, Cultural, Política, da Relação Estado e
Sociedade e Dos Povos Indígenas durante a Primeira Década do Século XXI na Bolívia
Tendo como Referência os Conceitos de Aníbal Quijano (Colonialidade do Poder,
Modernidade/Colonialidade, Padrão Mundial de Poder, Classificação Social
Racial) e Reflexões da Professora Alba Pinho de Carvalho.
Para o sociólogo peruano Aníbal Quijano
a região que atualmente conhecemos como América Latina tem uma importância
crucial na história do mundo moderno como espaço original e como tempo
inaugural do período histórico e do mundo que habitamos.
Quijano aponta que, nesta região, se
configuraram e se estabeleceram a “Colonialidade” e a “Globalidade” como bases
fundantes e como modos formadores do novo padrão de poder que ainda hoje dirige
as nossas vidas. Para o sociólogo Aníbal Quijano, é na região hoje conhecida
como América Latina que teve origem o conjunto de elementos subjetivos e
materiais que fundaram, para usar as suas próprias palavras, o modo de
existência social que recebeu o nome de “modernidade”.
Mas o sociólogo peruano apresenta de
forma muito clara e contundente a noção de que, apesar de ter sido o berço da
modernidade, essa região não conseguiu usufruir de forma plena do fruto que
gerou:
“Nem
todas as novas potencialidades históricas atingiram seu pleno desenvolvimento
na América Latina, nem o período histórico, nem a nova existência social no
mundo chegaram a ser plenamente modernos. Ambos, enfim, se definiram então e se
reproduzem hoje como coloniais/modernos”. (Quijano, Aníbal, 2008, Os fantasmas
da América Latina, p. 50).
O pensador peruano se utiliza da
história de Dom Quixote de Miguel de Cervantes para ilustrar uma
situação histórica em que “O novo não
acabou de nascer e o velho não acabou de morrer”. Nos mostra o autor que a relação
da Europa colonialista com a América Latina colonizada se dá em meio a uma
mistura de modernização e conservação de práticas já consideradas ultrapassadas
ou desaconselháveis ante a “evolução” de pensamentos e formas de agir inerentes
ao mundo moderno. É a partir do trabalho escravo utilizado nas colônias que se
torna possível assalariar os trabalhadores europeus; é a partir da
superexploração das riquezas e das gentes das colônias que se torna possível
erguer a civilização europeia e o seu modo de vida moderno. Para eles, os
colonizadores, o moderno. Para os colonizados, o mais atrasado e “bárbaro” dos
modos de exploração e opressão. Isto é possível inferir das reflexões de Aníbal
Quijano.
Quijano observa, sem surpresa, que a
história da América Latina não pôde se dá em um movimento autônomo e coerente,
tendo se configurado, segundo sua visão, como um labirinto tortuoso e longo, no
qual, habitam problemas não resolvidos que ficam, como fantasmas, a nos
assombrar.
Ao citar os “Fantasmas Históricos” que
assustam a América Latina, o autor busca refletir sobre os resultados da
colonização; sobre as consequências da destruição sistemática de referências
culturais, políticas e sociais que permeavam e serviam de base para modos de
vida muito diversos; sobre os resultados de uma superexploração e de um
desenvolvimento que se deu sob o jugo dos colonizadores de forma truncada,
incompleta e subalterna. Quijano acredita que a desintegração dos padrões de
poder e civilização de algumas experiências históricas muito avançadas que
existiam nessa região antes dos colonizadores chegarem, e o próprio extermínio físico
dos viventes dessas experiências, além da forte repressão material e subjetiva
dos que sobreviveram ao extermínio físico e passaram a ser obrigados a viver
submetidos à colonização e à dependência, perdendo qualquer padrão livre; e
ainda segundo o autor, autônomo, de objetivação de ideias, imagens e símbolos,
teriam funcionado como (observação minha) “coveiro” de todo um rico modo de
vida e concomitantemente como “parteira” de um novo padrão de poder, raça e
dominação social global. Esse cenário seria o berço dos “fantasmas” que seguem
a nos assombrar. E o novo sistema de dominação social gestado e desenvolvido
nesse ambiente de destruição do padrão de vida anterior, e emergência de um
novo poder dominante, teria, segundo Quijano, a ideia de raça como elemento fundante. E ainda segundo o autor peruano, raça seria a primeira categoria social
da modernidade.
A ideia de raça teria sido criada, desde o inicio da colonização, para dar
sentido às relações de poder entre os ibéricos e os” indígenas”, pensa Quijano.
A partir da ideia de raça teria se
configurado a primeira “classificação social global” da história humana. Tal
“classificação social global” teria sido produzida na América e imposta ao
mundo como um todo. E teria ainda, em si, elementos de todas as formas
anteriores de dominação como a de gênero, e a patriarcal. Esse novo padrão de
poder forjou novas identidades históricas e geoculturais que passaram a figurar
como elementos básicos desse novo padrão de poder. A saber: “Brancos”,
“Índios”, “Negros”, “Mestiços”.
Diante de todos esses esclarecimentos de
Aníbal Quijano, fica mais fácil compreender como nasceram e porque ainda
sobrevivem esses “pavorosos fantasmas” que seguem a nos atormentar e a
dificultar o nosso desenvolvimento.
Todo esse cenário de destruição de
mundos e edificação de novos mundos necessitava também de outra forma de assujeitamento que lhe fosse
complementar, nos ensina o autor. Uma nova forma de exploração do trabalho, de
produção de mercadorias e distribuição destas pelo comércio mundial nascia a
partir do novo padrão de poder. Quijano vê a origem do capitalismo moderno nessas
relações e nas experiências desarrolladas como consequência desse novo padrão
de dominação.
Esse
pensador de origem peruana afirma que a versão eurocêntrica da modernidade
omite e distorce a verdade histórica que põe a América como berço da
modernidade. Modernidade esta, que, para Quijano, não teria sido possível sem
os resultados da Colonialidade do Poder levada a termos na América.
Essa breve visita ao texto “Os fantasmas da América Latina” de Aníbal Quijano nos possibilita perceber conexões entre as análises deste autor e a produção teórica da professora Alba Maria Pinho de Carvalho da Universidade Federal do Ceará em dois textos seus. O primeiro texto é “Transformações do Estado na América Latina em tempos de Ajuste e resistências: Governos de esquerda em busca de alternativas”. E o segundo texto dessa autora é “Políticas Públicas e o dilema de enfrentamento das desigualdades: Um olhar crítico sobre a América Latina no século XXI”.
Esses dois textos apresentados a mim pelo Uribam Xavier fornecem importantes ‘chaves de análises’ para estudar a realidade de qualquer país latino-americano na atualidade.
Optei por estudar a Bolívia a partir dos conceitos e percepções trabalhados pela professora Alba Maria Pinho e pelo intelectual peruano Aníbal Quijano e tendo também como referência importantes contribuições do professor Uribam Xavier.
Um índio no poder! Ou, pelo menos no Governo.
O primeiro presidente latino-americano eleito a fazer a sua primeira viagem internacional para Cuba foi Evo Morales da Bolívia. Logo em seguida rumou para a Venezuela de Hugo Chávez. Só isso já aponta para um posicionamento político e ideológico delineado pelos contornos de esquerda. Porém, o mais emblemático na eleição de Evo Morales talvez seja a sua origem étnica e “racial”. É que Evo é um daqueles indivíduos que a Colonialidade convencionou chamar de “Índio”.
“A classificação racial, uma vez que se assentava num puro
produto mental, sem nada em comum com nada no universo material, não seria nem
sequer imaginável fora da violência da dominação colonial.” (Quijano, Aníbal, Os
fantasmas da América Latina, p.66).
Um “índio” no poder! Ou pelo menos, no Governo. Um “índio” de esquerda?
A professora Alba Maria Pinho de Carvalho na introdução de “Transformações do Estado na América Latina em tempos de Ajuste e resistências: Governos de esquerda em busca de alternativas”, após contextualizar e ressaltar a característica de militarização das potências hegemônicas na primeira metade dos anos 2000; e falar sobre a “virada à esquerda” na América Latina pela via da democracia representativa, indaga: Qual a demarcação definidora de um governo de esquerda na América Latina neste cenário do século XXI?
Evo Morales conseguiu em seu país estender o alcance da documentação legal para todos os cidadãos bolivianos. Até então muitos deles (pobres) não possuíam documentação legal.
A Bolívia passou, com Evo Morales como presidente, a trocar alimentos por diesel com a Venezuela de Chávez, numa transação econômica sem o envolvimento direto do dinheiro.
Evo impôs às empresas petrolíferas estrangeiras como a brasileira Petrobrás e a espanhola Repsol uma nova lei de hidrocarburetos e terminou por nacionalizar os campos de petróleo e gás natural e as refinarias.
Tais ações bastariam, ou estariam pelo
menos alinhadas com a demarcação definidora de um governo de esquerda na
América Latina do século XXI como investiga a professora Alba Carvalho?
Morales assumiu o
governo afirmando que sairia do modelo neoliberal e foi o único no mundo a
dizer isso. E deu inicio ao seu governo com um plano no qual, o Estado cumpre
um papel fundamentalmente intervencionista.
Alba Carvalho em suas
reflexões no mesmo texto acima citado investiga sobre as possibilidades de um
governo latino-americano situado no campo “da esquerda” com maior ou com menor
radicalidade construir alternativas às estratégias de dominação da nova ordem
do capital que subordina e promove a inserção dependente das nações. E tal
preocupação nos toma por completo diante das palavras do vice-presidente da
Bolívia, o intelectual Álvaro Garcia Linera:
"Olhando
para o futuro, temos a decisão, a vontade de construir um Estado forte, sólido,
do qual nos sintamos orgulhosos, estejamos onde estivermos. Tem que haver um
Estado forte na economia, para que não apenas sejam o mercado e a livre
competição que distribuam os recursos. Tem que haver um Estado forte que
priorize o que é necessário para a pátria, que proteja a todos, mas
fundamentalmente aos mais vulneráveis, aos mais esquecidos, que a maioria do
nosso país e que hoje, com um Estado forte no plano econômico, encontrarão
melhores opções para o desenvolvimento."
"Não
queremos nunca mais um Estado sem povos indígenas. O Estado de todos; de
mestiços e indígenas, de profissionais e trabalhadores, de camponeses e estudantes.
Queremos um Estado multicultural, em que os distintos povos, os distintos
idiomas, as distintas cores valham igual: que valham igual um vestido e uma
saia, um poncho e uma gravata, uma cor de pele mais clara e uma mais
escura."
"A
luta pelo poder gerou muitos conflitos, muitos mortos, muitos feridos e muitos
danos. No entanto, este 18 de dezembro o povo foi muito claro. O empate
catastrófico - entre os setores conservadores e os sociais - foi resolvido de
forma inapelável. As pessoas, o povo, o cidadão do oriente e do ocidente, do
norte e do sul, do campo e da cidade, empresários, profissionais, indígenas,
camponeses, operários, cooperativistas e comerciantes optaram pela
mudança."
"Compete
agora aos povos indígenas, ao mais nobre, ao mais verdadeiro da nossa pátria, a
seus trabalhadores, a sua gente empobrecida e à gente simples, ocupar o mando
da nação e conduzir-nos por um caminho de bem-estar, por um caminha de unidade
e de integração nacional.” (http://www.historianet.com.br/conteudo/default. aspx?codigo=798).
A Colonialidade do Poder parece aqui, frontalmente encarada. As palavras do vice-presidente boliviano parecem mais como um “grito de guerra” direcionado claramente contra o sistema Modernidade/Colonialidade.
O discurso-manifesto de Álvaro Garcia
Linera encontraria depois, uma leitura marcada por certa confirmação de que as
coisas pareciam seguir uma práxis transformadora. A professora Alba Carvalho
escreveria: “É justamente, nesta
perspectiva de garantia dos direitos, na busca de encarnar a utopia
democrática, que vem se efetivando a ‘revolução distributiva’ na Bolívia e na
Venezuela”. (Carvalho, Alba, 2010).
O presidente da Bolívia Evo Morales
entregou o comando do combate ao narcotráfico no seu país a um “cocaleiro”
(produtor de coca) reafirmando assim, uma vez mais, o seu compromisso com as
raízes históricas, culturais e econômicas do seu povo. Tal ação dá visibilidade
para a questão do cultivo da coca na Bolívia. Prática milenar que incompreendida
pelo restante do mundo, tende a ser vista como crime ou como ilegalidade. Mas
que na verdade é uma prática cultural e econômica enraizada na história do povo
andino.
A professora Alba Carvalho em ‘Poder e Políticas Públicas na América
Latina’ demarca como referência analítica a especificidade das formas de
regulação social a partir do reconhecimento tardio de direitos sociais nos
processos que envolvem a democratização e os enfrentamentos aos impactos das
politicas neoliberais que causam o que ela chama de “privilegiamento do mercado
e destituição da política”.
Olhando a Bolívia de Evo Morales por
esta lente analítica que nos disponibiliza a professora Alba Carvalho, nos
parece, num primeiro olhar, que este país estaria envolvido num esforço
“insurgente” contra a onda neoliberal e contra todos os destroços que ela
deixou pelo caminho na América Latina e em especial no seu território. A
inversão de prioridades é evidente nas ações do governo “indígena” de Evo
Morales. A situação dos “índios” é significativamente alterada, principalmente
no campo simbólico. Agora eles têm um representante no comando do país, seus
traços culturais e históricos passam a ser amplamente visibilizados por todo o
mundo; seus direitos políticos e sociais experimentam um “salto de qualidade”
histórico impensado até então; seus valores e crenças passam a exercer forte
influência nos caminhos que a Bolívia e também outros territórios e nações da
América Latina trilharão ao longo desse período histórico e possivelmente no
futuro.
A trajetória de Evo Morales à frente do
governo boliviano é marcada por grandes enfrentamentos. Primeiramente contra os
interesses dos herdeiros da “Colonialidade” que não se conformam em ver os seus
privilégios e o seu padrão de poder global ameaçado pela visão cosmológica do
governo “indígena”.
Estaria sob forte risco, pois estaria
sendo desmascarado, o que a professora Alba Carvalho identificou como um padrão
de dominação abstrata e polifacetada e que se apresenta como indefinida, não
permitindo que se veja quem é o dominador e quem é o dominado. Tal ‘poder
simbólico’ (para citar um termo característico do sociólogo francês Pierre
Félix Bourdieu) seria permanentemente confrontado pelas ações do governo de Evo
que ao inverter prioridades e apoiar-se na força politica dos “indígenas”, dos
trabalhadores e dos mais pobres, conduziria o governo a choques permanentes
contra o capital global. E assim faria com que grandes contingentes da
população boliviana fosse vendo a partir dos choques de interesses, as
contradições do sistema “Modernidade/Colonialidade”. A “classificação social
racial” finalmente encontraria sua rebelião mais concreta e incisiva desde que
foi forjada pelos colonizadores. E é emblemático que tal insurgência fosse
conduzida por um índio latino-americano e boliviano.
Estas
formas de dominação abstrata apropriam-se de ‘corações e mentes’ dos
trabalhadores, alienando sua subjetividade, transformando sujeitos em objetos.
(Alba Cavalcante, 2010, P.176).
Houve um tempo em que mineiros e
camponeses bolivianos se uniram num movimento revolucionário para lutar por
reforma agrária, nacionalização das minas e formação de uma democracia radical
de massas, afirmam Mônica Bruckmann e
Theotonio dos Santos no texto ‘Os Movimentos Sociais na América Latina: Um
Balanço Histórico’. Mas havia diferença entre eles e isso, possivelmente facilitou
a contra-revolução, afirmam os mesmos autores. Os mineiros acreditavam na
propriedade coletiva em se falando de reforma agrária, e os outros, defendiam a
pequena propriedade rural. Os mineiros talvez conservassem mais dos valores
indígenas do que os camponeses. A propriedade privada tem mais a ver com o
pensamento e com a forma de dominação colonizadora do que com os modos de vida
do povo originariamente existente na América Latina, nos ensina o pensamento e
os estudos de Aníbal Quijano e Alba Maria Pinho de Carvalho.
Segundo o professor Uribam Xavier, os valores indígenas, sua relação com a terra e
com a natureza e sua forma de ver as riquezas materiais do homem branco podem
chocar-se diretamente com o capitalismo. Xavier ilustra essa percepção com o exemplo
de povos nativos que se recusaram a permitir a extração de petróleo das suas
terras, preferindo a tranquilidade e o seu modo de vida à abundância de
recursos materiais e consumo oferecidas pelo capitalismo. Também nos informa o
professor que a Bolívia teria adotou em sua constituição
direitos relativos à terra, fazendo da terra um ser agora dotado de direitos. Xavier nos faz ver o impacto dessa decisão nos interesses do capitalismo
global e na vida dos bolivianos e todos os povos do mundo que, agora
conhecedores dessa possibilidade, no mínimo podem imaginar outras formas de se
lidar com a natureza e com a própria humanidade.
Esses exemplos bolivianos poderão
atingir grandes níveis de sensibilização e inspiração quando conhecidos e
assimilados pelo movimento social ao redor do planeta e principalmente na
América Latina.
Os Movimentos Sociais da América Latina
começam a assimilar novas formas de luta e novos valores em suas práticas
reivindicatórias e de resistência. Desde Seattle, em 1999, dos encontros do
Fórum Social Mundial no Brasil, em Porto Alegre; e das grandes manifestações
que ocorreram pelo mundo, afirmam Mônica
Bruckmann e Theotonio dos Santos,
estaria se firmando uma nova postura também ofensiva, além de defensiva por
parte dos Movimentos Sociais. Os Movimentos Sociais estariam muito mais
propositivos e focados cada vez mais no humano em detrimento das técnicas e
tecnologias, do capital e dos limites do estado burguês.
“Várias
são as manifestações concretas da nova proposta que deverá substituir a
barbárie intelectual do pensamento único neoliberal e que incorporará a região
a uma nova realidade política e ideológica. Essa nova proposta expõe ao debate
as grandes questões do destino da humanidade, e os movimentos sociais
representarão o terreno fértil em que brotarão as soluções cada vez mais
radicais, pois são as raízes que estarão em jogo: A desigualdade social, a
pobreza, o autoritarismo, a exploração. Toda essa agenda estará de novo na
arena da história”. (Bruckmann, Mônica, e dos Santos, Theotonio, p.200).
Segundo os autores Mônica Bruckmann e Theotonio
dos Santos, essa nova proposta que toma conta dos Movimentos Sociais
latino-americanos articula partes da agenda e das lutas e bandeiras dos anos 60
e 70 buscando adaptá-las ás novas condições da economia mundial.
Essa nova postura dos Movimentos Sociais
Latino-americanos pode ajudar a compreender o segundo tipo de dificuldades que
o governo Evo Morales teve que enfrentar. O próprio povo que viu seu modo de
vida e os seus direitos passarem a figurar como prioridades na agenda do
Governo de Evo Morales, também entendeu que o próprio governo estava em
disputa; teria que ser pressionado para não recuar, para não sucumbir ante a
pressão da ‘Colonialidade/Modernidade’. E Evo Morales passou a conviver com a
pressão do povo e com a pressão do capital global, tendo que articular-se em
meio ao fogo cruzado. Afinal, um capitalismo vivendo, segundo a professora Alba
Carvalho - que cita na página 178 do livro Poder e Políticas Públicas na
América Latina (2010), o filósofo húngaro István Mézáros (2002) - uma crise
estrutural, não pode perder sem reação, todo um mercado e inúmeros “ativos” em
território boliviano. A questão é que um povo vivendo entre a destruição
gradual do modo de vida “indígena” e, um futuro desalentador, como potenciais
“precariados” (para também fazer referência a um conceito muito utilizado pela
professora Alba Carvalho) compreendeu que também não pode permitir um recuo do
governo ou capitulação deste diante das pressões e da ofensiva do capital
global.
Essa correlação de forças medida a cada
instante politico do cenário da Bolívia sob o governo de Evo Morales pode nos
aproximar da resposta para a primeira pergunta feita pela professora e pensadora
Alba Carvalho, sobre qual a demarcação definidora de um governo de esquerda -
nesse contexto por ela citado - da América Latina no inicio do século XXI?
Talvez a resposta
esteja associada a algum tipo de percepção de um governo sob intensa pressão,
com maior afinidade e predisposição a trilhar uma “Virada à esquerda” e a se
apoiar no povo e nas massas mais dispostas a lutar, para correr e vencer os
riscos, aos quais, essa opção política e ideológica lhe expõe.
Mas por outro lado aprofunda as nossas
dúvidas e o nosso desejo de encontrar respostas, para a segunda, e mais difícil,
indagação que a mesma pensadora nos apresentou: “Quais as possibilidades de governos latino-americanos situados no
campo da esquerda, com maior ou menor radicalidade, construírem alternativas às
estratégias de domínio, consubstanciadas nas politicas de inserção subordinada
e dependente à nova ordem do capital?”
A Bolívia parece esforçada em buscar
essas respostas. E se as encontrar, talvez comece a preparar as condições que
necessitamos para iniciar finalmente a caça a esses “fantasmas” que
historicamente têm assombrado a América Latina. E então, talvez possamos pensar
em adentrar mais profundamente esse mundo que mesmo aparentando tão perto,
mantém-se distante da nossa compreensão e interação.
A professora Alba Maria
Pinho de carvalho ao tratar do que caracteriza como uma novidade posta pela
América Latina para o Mundo, fala da “Virada à esquerda” como perspectiva de
refundação pluricultural e multisocietal de Estados multinacionais
comunitários. A estudiosa diz que analisar essas possibilidades, implica em se
esforçar para compreender como e com que pressão e intensidade os movimentos
sociais interpelam o estado com o objetivo de redefinição das políticas
públicas no sentido de afirmar direitos de minorias e reconhecer direitos de
maiorias expropriadas no âmbito da exclusão, discriminação e opressão.
Bolívia: Uma nação de Nações.
O presidente boliviano Evo Morales
apoiou a institucionalização da Bolívia como "Estado Plurinacional",
"intercultural", repartido em "comunidades" descentralizadas
e autônomas. Essa formação foi apresentada pelo vice-presidente García Linera
como "uma nação de nações".
No Brasil, o deputado federal Aldo
Rebelo (PC do B-SP) resolveu comentar as dificuldades enfrentadas pela nova
conformação institucional da Bolívia e escreveu:
“Querem
conservar o saber e a cosmogonia dos povos originários não a par, respeitados
como devem ser, mas em protagonismo hostil ao desenvolvimento das forças
produtivas. O progresso não é aceito como caminho para outras formas avançadas
de organização política da sociedade. Negam a integração nacional, a superação
da pobreza pelo desenvolvimento, a modernização do campo semifeudal e a
industrialização das cidades. Tudo o que não é autóctone se transfigura em
miragem do Ocidente decadente, em confronto com o brilho remoto do Império
Inca.” (http://www.estadao.com.br/noticias/impresso,o-impasse--boliviano-,787352,0.htm).
De certa forma é possível ver em algumas
falas como essa do deputado do PC do B sobre a Bolívia e sua “nação de nações”
traços do que a professora Alba Carvalho trata como a hibridização das novas
formas do domínio do capital com as formas da opressão da colonialidade do
poder, a impor modos de vida, formas de sociabilidade e universos simbólicos.
De fato, o deputado foi além e completou:
“Tal
como lá, aqui o Estado também perde a soberania para dispor do território. Já
tropeçamos nos conceitos de povos e nações indígenas, garantindo-lhes extensas
áreas para usufruto exclusivo em zonas de fronteira, como as reservas dos
ianomâmis e a de Raposa-Serra do Sol, na Amazônia. Já não é fácil asfaltar uma
estrada ou construir hidrelétricas - obras de valor nacional satanizadas como
violadoras da mãe natureza e da pureza dos povos originários.” (idem).
O citado deputado
autoreferencia-se como “de esquerda”. E recorro de novo ao texto da professora
Alba Carvalho para lembrar a conceituação do que seria “esquerda” - utilizada
por ela em sua obra – de Boaventura de Sousa Santos:
Esquerda
é o conjunto de teorias e práticas transformadoras que, ao longo dos últimos
cento e cinquenta anos, resistiram à expansão do capitalismo e ao tipo de
relações econômicas, sociais, políticas e culturais que ele gera, e que assim
procederam na crença da possibilidade de um futuro pós-capitalista, de uma
sociedade alternativa, mais justa, porque orientada para a satisfação das
necessidades reais das populações, e mais livre, porque centrada na realização
das condições do efetivo exercício da liberdade.” (Santos, 2009).
Diante disso, compreendo mais a
inquietação de intelectuais como o professor Uribam Xavier em relação às
contradições das ditas “esquerdas”, e apreendo melhor o sentido da afirmação da
professora Alba Carvalho quando a mesma afirma que a seu ver, a “pedra de
toque” é a potência da política, em meio aos processos destrutivos da expansão
capitalista consolidados no processo latino-americano, nesses processos de
ajuste e implantação das políticas neoliberais. A autora questiona as
possibilidades e a capacidade do campo político de dar sentido “como solo” e
“como meio” através do qual se possa aprofundar e realizar a disputa
democrática.
Referências
bibliográficas
·
Sousa, Fernando, Poder e Politicas
Públicas na América Latina. Edições UFC, 2010;
·
Carleial, Adelita, fortaleza, edições
UFC, edições UECE, UNAM, 2006;
Por Johnson Sales.