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terça-feira, 20 de agosto de 2013

“O Gigante Acordou”! Mas parece estar de ressaca



 (dialogando com T.H. Marshall e José Murilo de Carvalho sobre os desafios da democracia contemporânea e o Brasil)

“Não podemos reclamar se a causa da liberdade é, algumas vezes, patrocinada por um libertino”.
(Marshall, T.H, Cidadania, Classe Social e Status, P. 67).

 
Balas de borracha, spray de pimenta, barricadas nas ruas, danos ao patrimônio público e a algumas propriedades privadas, descrédito nas instituições políticas e nos governos, reivindicações diversas e difusas, organização em rede, liderança não hierarquizada, rejeição a partidos políticos, ataques a unidades móveis da mídia, protestos por todo o País. “O Gigante acordou!” dizia a imprensa e alguns manifestantes, numa clara alusão a uma peça publicitária da fabricante escocesa de uísque Johnnie Walker que levantava, literalmente, o “Pão de Açúcar” - um dos mais importantes cartões postais do Brasil – na forma de um gigante de pedra. E o fazia caminhar, prestando segundo os marqueteiros idealizadores da peça e seus admiradores, uma justa homenagem ao país da Copa de 2014 e, à cidade das Olimpíadas de 2016, e ao novo momento de crescimento do país”.

A partir da luta pela redução das tarifas dos transportes públicos de São Paulo e da repressão violenta da polícia daquele estado contra os jovens manifestantes, ganhou às ruas o que a imprensa e as redes sociais “batizaram” de “A revolta do Vinagre” (referindo-se ao uso de vinagre pelos manifestantes para atenuar o efeito do gás lacrimogêneo utilizado pela polícia para reprimi-los). Como num “efeito dominó” as manifestações se espalharam por várias cidades e capitais do País. Os protestos iniciavam geralmente tendo a redução das tarifas de transportes como principal reivindicação, mas somavam-se a essa demanda toda uma diversidade de reclamações e aspirações sociais. E tudo foi “afunilando” para o questionamento a respeito dos gastos exagerados com a copa das confederações e com a copa do mundo da FIFA 2013 e 2014.

A bandeira brasileira e o hino nacional (que inclusive, serviu de inspiração para o “despertar do gigante” da Johnnie Walker) não se limitavam mais aos jogos da seleção nacional de futebol nas suntuosas arenas da copa. Um sentimento patriótico tomou conta do povo brasileiro que passou a apoiar as manifestações reconhecendo nelas um clamor polifônico contra tudo o que pudesse ser julgado como empecilho à “caminhada do gigante”.  A mídia não entendeu nada. O governo, menos ainda. E de imediato, o que conseguiram articular como consenso contra a “desordem” que questionava o “progresso” e ou, a falta dele, foi a providencial divisão da multidão protestante em “manifestantes” e “vândalos” (todos aqueles que promovessem qualquer ato de hostilidade em relação ao patrimônio do estado e ou dos burgueses; ou ainda que não se resignassem diante das agressões da polícia, da própria imprensa e dos demais órgãos de repressão). Cabendo aos últimos toda a adjetivação depreciativa possível na nossa língua. E aos primeiros, a caracterização como cidadãos “ordeiros” e pacíficos que querem um Brasil melhor.

Ora, mas o Brasil não está melhor?

O vídeo da propaganda da Johnnie Walker, no qual o gigante “acordava”, vinha acompanhado por um texto que afirmava:

"No início dos tempos, na parte sul das Américas, habitava um gigante. Um dos poucos que andavam sobre a Terra. Gigante pela própria natureza, e sendo natureza ele próprio, era feito de rochas, terra e matas, que moldavam sua figura. Pássaros e bichos pousavam e viviam em seu corpo e rios corriam em suas veias. Era como um imenso pedaço de paisagem que andava e tinha vontade própria. Caminhava com passadas vastas como vales e tinha a estatura de montanhas sobrepostas. Ao norte, em seu caminho, encontrava sol quente e brilhante nas quatro estações do ano. Ao sul, planaltos infindáveis. A oeste, planícies e terras cheias de diversidade. E a leste, quilômetros e quilômetros de praias onde o mar tocava a terra gentilmente, desde sempre. Havia também uma floresta como nenhuma outra no planeta. Tão grande, verde e viva que funcionava como o pulmão de todo o continente à sua volta. Mesmo diante de tudo isso, um dia, enquanto caminhava, o gigante se inquietou.  Parou então à beira-mar e ali, entre as águas quentes do Atlântico e uma porção de terra que subia em morros, deitou-se. E, deitado nesse berço esplêndido, olhou para o céu azul acima se perguntando: "O que me faz gigante?". Em seguida, imaginando respostas, caiu em sono profundo. Por eras, que para os gigantes são horas, ele dormiu. Seu corpo gigantesco estirado, o joelho dobrado formando um grande monte, uma rocha imensa denunciando seu torso titânico e a cabeça indizível, coberta de árvores e limo. Dormiu até se tornar lenda no mundo. Uma lenda que dizia que o futuro pertencia ao gigante, mas que ele nunca acordaria e que o futuro seria para ele sempre isso: futuro. No entanto, com o passar do tempo ficou claro que nem mesmo as lendas devem dizer "nunca". Depois de muito sonhar com a pergunta sobre si, o gigante finalmente despertou com a resposta. Acordou, ergueu-se sobre a terra da qual era parte e ficou de frente para o horizonte. Tirou então um dos pés do chão e, adentrando o mar, deu um primeiro passo. Um passo decidido em direção ao mundo lá fora para encontrar seu destino. Agora sabendo que o que o faz um gigante não é seu tamanho, mas o tamanho dos passos que dá. (Blog “Escritos Perdidos”: http://www.escritosperdidos.com/2011/10/propaganda-da-johnnie-walker-acorda-o.html#ixzz2ZPR1r7M8).

Os dias que se seguem são de múltiplas inquietações, de uma instabilidade política generalizada e de muitas incertezas em relação ao futuro da nossa democracia. Como ficarão os partidos políticos, o congresso nacional, os governos, a justiça, a mídia, as polícias, os governantes, os cidadãos, os “vândalos”, as redes sociais, as universidades; como ficará o Brasil depois do “despertar” e da “ressaca” do “gigante”?

Tentaremos, dialogando com T.H. Márshall em “Cidadania, Classe Social e Status” e José Murilo de Carvalho em “Cidadania no Brasil – O longo caminho”, refletir mais profundamente sobre os desafios que nos esperam. Que certamente fazem parte dos hercúleos desafios da Democracia Contemporânea.

Para José Murilo de Carvalho, o esforço de reconstrução, ou - observa o autor – construção, da democracia no Brasil, teria ganhado arrebatamento após o término da ditadura militar, em 1985. O autor afirma que um dos marcos desse esforço brasileiro é a importância que ganhou a palavra Cidadania que, para Carvalho, teria inclusive substituído o próprio povo na retórica política. José Murilo de Carvalho observa que no Brasil, “a cidadania virou gente” (P.07). E que não se fala “o povo quer isto ou aquilo” (idem), mas sim, “a cidadania quer(ibidem). No auge do entusiasmo cívico, afirma o autor, “chamamos a Constituição de 1988 de Constituição Cidadã”.

“A cidadania quer”!

Cidadãos “ordeiros”, até certo ponto resignados, sem liderança hierárquica, de organização difusa, com “palavras de ordem” polifônicas; e misturados no grande caldeirão da Multidão (para ficar com um termo empregado por Michael Hardt e Antonio Negri no seu livro Multidão: Guerra e Democracia na Era do Império, Editora Record, 2005) aparentemente, não correriam um certo risco de corroborar, mesmo que involuntariamente, com o deslocamento do “querer” do povo (quanto sujeito de vontades e direitos) para a cidadania (como abstração política e social de um “querer” sem sujeito constituído ou objetivamente atribuído)? É importante refletirmos sob a luz do pensamento de Carvalho, tendo em mente o que pudemos perceber de tentativas, seja da mídia, dos partidos ou do governo, de atribuir certas características, representações, discursos e motivos às manifestações de rua à revelia dos próprios manifestantes. Ao mesmo tempo em que ocultavam reivindicações e posturas que pudessem de alguma forma ameaçar ou constranger os seus próprios interesses e visões. Afinal, a rede Globo não deu voz aos protestos contra a manipulação que ela própria faz da opinião pública; contra o seu papel de agente das elites locais e internacionais denunciada amplamente pelos manifestantes; ou em relação às acusações de sonegação de impostos que muitos denunciam que ela pratica. E tampouco o SBT (Sistema Brasileiro de Televisão) ou a Rede Record apresentaram os ataques às suas unidades móveis e o repúdio aos seus repórteres como uma insatisfação do povo em relação às suas práticas consideradas pouco democráticas e tendenciosas. Os diversos governos estaduais, municipais e o governo federal, também não deram ênfase “às vozes das ruas” que consideravam inadequadas e até imorais as suas priorizações dos grandes eventos esportivos em detrimento de áreas sociais como saúde, educação, moradia e mobilidade. Mas sim, se comportaram como se o alvo dos protestos fossem outros, que não as suas práticas. E ao mesmo tempo, todos (Governos, mídias, parlamento, justiça, etc.) trataram de atribuir sua própria lista de prioridades e demandas urgentes às manifestações. A mídia chamava para a “cidadania” e para o “não vandalismo” e procurava direcionar os protestos para um maior desgaste do governo federal, do congresso e, das organizações identificadas com a esquerda governista. A justiça (em especial o Ministério Público) tentava apontar a corrupção como alvo principal. E ganhou “de brinde” a derrubada, sem a reflexão necessária, da PEC (Proposta de Emenda à Constituição) 37 que visava regulamentar a sua atuação. O governo federal apressou-se em interpretar o “clamor das ruas” como o desejo de uma “reforma política popular e democrática”, reforma essa que nem Lula em seus dois mandatos ou Dilma, na sua já quase finda gestão, conseguiram fazer. E apresentou a proposta de realização de um plebiscito sobre a tal reforma como atendimento objetivo deste clamor. Os partidos e movimentos alinhados com a esquerda governista também foram às ruas para, entre reivindicações corporativistas e salariais, buscar o direcionamento das energias mobilizadas pela multidão, para o apoio à proposta de plebiscito do governo federal e, para o próprio projeto político representado por esse governo e ameaçado pela ação das oposições, e pela própria instabilidade conjuntural. As organizações e o pensamento de direita e ou conservador do País, perplexo, e sem base social mobilizável para a conjuntura posta, tentava infiltrar-se inflando os sentimentos anti-partido; a criminalização dos movimentos sociais; o desgaste das instituições democráticas; os preconceitos e discriminações contra a diversidade; o aumento das penas; e a redução da maioridade penal. Quanto ao Povo, aparentemente reduzido a Cidadania, vai fazendo barulho, se reacostumando às mobilizações, se sentindo mais cidadão e tentando assegurar, pelo menos, alguns dos seus “Quereres” em meio a um “oceano de manipulações”. E de objetivo mesmo, por enquanto, só alguns centavos de redução nas tarifas dos transportes públicos. O que já é alguma coisa! E a luta continua.

“Com crise se cresce”! Esta máxima deveras otimista, da qual, o Sistema Brasileiro de Televisão (SBT) usou e abusou nos anos 1990 quando o Brasil reconhecidamente encontrava-se mergulhado em grandes dificuldades, poderia ser aplicada à nossa jovem, e agora, agitada democracia?

Carvalho afirma na página número oito, do seu, “Cidadania no Brasil – O longo Caminho” que não há indícios - apesar da perda de credibilidade dos políticos e dos partidos e do congresso; e de todo o desgaste que os mesmos enfrentam – de nenhum saudosismo em relação a regimes autoritários como a funesta ditadura militar que tanto mal fez ao nosso País e a democracia da nação. O povo brasileiro parece disposto a conservar e, se possível, ampliar todos os seus direitos civis, políticos e sociais e em meio a tantos questionamentos referentes às instituições democráticas do País, a “consciência cidadã” procura se fortalecer. Em meio a tantas crises, a democracia parece crescer.

Um “mal-estar” tomou conta de organizações históricas e de antigos militantes da democracia brasileira - quando estes assistiram certa “defenestração” dos partidos políticos e de organizações tradicionais de esquerda que tanto contribuíram para a conquista e manutenção da vida democrática no País – nas diversas manifestações ocorridas no Brasil. Para José Murilo de Carvalho, “os direitos políticos têm como instituição principal os partidos e um parlamento livre e representativo. São eles que conferem legitimidade à organização política da sociedade. Sua essência é a ideia de autogoverno” (P.10). Essa percepção de que parte do conjunto de sustentação dos direitos políticos e da legitimização da organização política da nossa sociedade estaria sendo ameaçada pela ojerização dos partidos pelos manifestantes, deve estar na base do “mal-estar” e das preocupações que se pôde ver e sentir recentemente no Brasil em relação a nossa democracia.

Mas, para tentarmos ir ainda mais fundo na compreensão dos acontecimentos que envolvem os partidos políticos brasileiros e seu enorme desgaste junto à opinião pública e aos cidadãos, devemos analisar com mais atenção, a trajetória do maior partido de massas do País, o Partido dos Trabalhadores (PT). E devemos fazê-lo “bebendo na fonte” do pensamento de T. H. Marshall.

Marshall, com o seu “sistema que preservaria os elementos essenciais de um mercado livre” (P.60), aceitava uma ampla gama de desigualdades sociais quantitativas e condenava as desigualdades qualitativas entre o homem, que devido a sua ocupação, pudesse ser um cavalheiro e aquele, que não o fosse. Ou seja, de certa forma, o autor falava de um “embrutecimento” do trabalhador operário que devido às suas funções profissionais não tinha como “civilizar-se”, tornar-se “cavalheiro”, um “gentleman”. Marshall convivia bem com as desigualdades materiais entre as classes sociais e, defendia uma maior igualdade, ou pelo menos, uma distância menor, em se tratando da educação e da sofisticação dos hábitos e comportamentos cotidianos e sociais. Este autor que não via com simpatia a intromissão do Estado na vida social abria uma exceção quando se tratava de educação. Marshall considerava que a educação era, em suas palavras, “um objeto apropriado de ação por parte do Estado... um serviço de tipo único” (P.73). Essa deferência toda pela educação derivava da visão de Marshall de que “O dever de autoaperfeiçoamento e de autocivilização é, portanto um dever social... porque o bom funcionamento de uma sociedade depende da educação de seus membros” (P.74).  Para Marshall, a cultura seria uma unidade orgânica da nação. Marshall trabalhou como objetivo principal a cidadania e seu impacto sobre a desigualdade social, atribuindo à classe social um lugar secundário em seu, Cidadania, Classe Social e Status. O autor via a cidadania como um atenuante das desigualdades de classe e enxergava a educação como fundamental na conquista, manutenção e aperfeiçoamento da cidadania.

“Não há dúvida de que, no século XX, a cidadania e o sistema de classe capitalista estão em guerra” (Marshall, Cidadania, Classe Social e Status, P. 76).

Para Marshall, a Cidadania é “um status concedido àqueles que são membros integrais de uma comunidade”, no qual “todos (...) são iguais com respeito aos direitos e obrigações”.

O status único de cidadania teria oferecido o fundamento da igualdade sobre a qual a estrutura da desigualdade foi edificada no capitalismo. E assim sendo, os diversos direitos civis, políticos e sociais relacionados com a cidadania, seriam, na verdade, necessários para a manutenção da própria desigualdade social de classe.

Entender a forma com que Marshall trata a cidadania, a desigualdade e o papel do status como sendo de certa forma, um tipo de degrau intermediário que até mesmo os mais explorados e subalternos trabalhadores podem, através da educação, subir limitadamente no interior da própria classe subalterna. Possibilita-nos analisar os acontecimentos que levaram a um dado desgaste dos partidos políticos brasileiros a partir da observação atenta da trajetória do Partido dos Trabalhadores (PT) e das suas opções e prioridades no governo federal.

Ao chegar gradativamente ao poder no Brasil, o PT foi tomando gosto pela subida também gradativa dos degraus intermediários do status. Os operários, trabalhadores, e intelectuais orgânicos (para fazer menção a um importante conceito de Antonio Gramsci) foram se profissionalizando na burocracia estatal e nos próprios sindicatos cada vez mais. A base orgânica do PT foi mudando seu status, se “civilizando”, se tornando damas e cavalheiros, e se distanciando culturalmente e socialmente das classes sociais que representavam. O partido foi perdendo legitimidade junto aos trabalhadores e à população que acompanhava as mudanças cada vez mais evidentes. Tanto os trabalhadores como o conjunto do povo brasileiro, ou pelo menos, boa parte dele, considerou as mudanças como traição de uma história de comprometimento com reivindicações, posturas, lutas, e defesas de direitos relacionados com o status anterior desses sindicalistas e políticos do PT e dos demais partidos de esquerda, protagonistas e vítimas da mesma situação. Isso pode nos fornecer importantes indícios de algumas das causas mais significativas do desgaste do PT e dos seus partidos aliados aos olhos do povo brasileiro. Também o envolvimento em casos de corrupção, negociatas políticas e outros acontecimentos eticamente questionáveis tem por certo, grande importância nesse processo de desgaste e atinge praticamente todo o cabedal de partidos políticos do País. Mas até a ética, é possível que seja fortemente influenciada e relativizada a cada degrau alcançado na escada “embriagante” do status.

O governo do PT e das esquerdas governistas também “tropeçou na escada do status”

A grande ênfase dada na necessidade da educação profissionalizante, os investimentos em medidas compensatórias e de inclusão econômicas como cotas, e bolsa família, compra de vagas em universidades privadas e outros programas e projetos do governo federal, mostram a adesão do governo do PT à visão de Marshall da educação como ferramenta para melhorar status.

“Não vejo sinal algum de afrouxamento dos laços que unem a educação à ocupação. Ao contrário, eles parecem fortalecer-se cada vez mais. Dá-se uma grande e sempre crescente importância a certificados, matrículas, formaturas e diplomas como qualificação para emprego, e a validade destes não desaparece com a passagem dos anos” (P. 100).

E demonstra também o esforço feito para promover amplos setores da população na “escada” do Status, como é o caso da polêmica “nova classe média”. É inegável o esforço petista através dos governos de Lula e Dilma em fortalecer e ampliar os direitos relativos à cidadania para grupos historicamente excluídos destes direitos como Negros, Índios, Mulheres, Populações tradicionais, Público homo-afetivo entre outros. Essa postura em prol do fortalecimento e aperfeiçoamento da cidadania, novamente aponta a opção, a la Marshall, de investir na cidadania como atenuante das desigualdades de classe. E trabalhar essa cidadania tanto no nível do partido, como no nível da sociedade, como esse status único que assegura direitos e gera uma sensação de emergência e prosperidade em relação ao conjunto da classe. Sem, no entanto, considerar a compreensão do próprio Marshall de que esses direitos inerentes à cidadania fornecem a base sobre a qual, se edifica a própria desigualdade social de classe. E que essa sim, é material e estrutural.

Ao adotar esse caminho, o PT abdicou de enfrentar as desigualdades de classe e contentou-se em promover a cidadania como atenuante destas. Mas, se a cidadania segundo Marshall, “está em si mesma se tornando o elemento criador da desigualdade social” (P.99). O governo petista não fez outra coisa, senão, “semear nuvens de tempestade”.

As muitas manifestações de rua que tomaram o Brasil podem significar que a cidadania brasileira - no seu papel dialético (no sentido de Marx) de atenuar e, ao mesmo tempo aprofundar as desigualdades de classe do capitalismo – pode estar dando sinais de colapso ou mesmo de fadiga. E isso, pode até não estar, e certamente, não está sendo compreendido pelo povo. Mas é possível que esteja sendo sentido por esse mesmo povo que luta para ser sujeito pleno de seus direitos; e não ser reduzido à abstração de “cidadania”. Mesmo sem saber que esses direitos podem, na verdade, piorar as desigualdades de classe.

Conclusão

Esta situação sendo examinada com a ajuda do pensamento de Marshall e de José Murilo de Carvalho, nos leva a refletir sobre qual seria realmente o grande desafio da Democracia Contemporânea. Não me julgo com envergadura teórica suficiente para se quer ensaiar uma resposta adequada. Mas certamente - e principalmente devido à ajuda elucidatória desses dois autores – eu posso direcionar meu pensamento para a questão da necessidade de encontrar urgentemente um caminho que leve à superação das contradições da cidadania no tocante às desigualdades de classe. E que sem ilusões possamos articular uma nova pratica política que enfrente aberta e diretamente a estrutura capitalista das classes sociais e toda a desigualdade dela derivada. Se nossa democracia não superar os limites, do ingênuo, e ou cínico, combate paliativo das desigualdades qualitativas. E não avançar decididamente contra as desigualdades quantitativas. Não nos livraremos desse destino de Mito de Sísifo”, a que a cidadania parece nos condenar.

Por Johnson Sales


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