(dialogando com T.H. Marshall e José Murilo de Carvalho sobre os desafios da democracia contemporânea e o Brasil)
“Não
podemos reclamar se a causa da liberdade é, algumas
vezes, patrocinada por um libertino”.
(Marshall, T.H,
Cidadania, Classe Social e Status, P. 67).
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Balas de borracha,
spray de pimenta, barricadas nas ruas, danos ao patrimônio público e a algumas propriedades
privadas, descrédito nas instituições políticas e nos governos, reivindicações
diversas e difusas, organização em rede, liderança não hierarquizada, rejeição a
partidos políticos, ataques a unidades móveis da mídia, protestos por todo o
País. “O Gigante acordou!” dizia a imprensa e alguns manifestantes, numa clara
alusão a uma peça publicitária da fabricante escocesa de uísque Johnnie
Walker que levantava, literalmente, o “Pão de
Açúcar” - um dos mais importantes cartões postais do Brasil – na forma de um
gigante de pedra. E o fazia caminhar, prestando segundo os marqueteiros
idealizadores da peça e seus admiradores, “uma justa homenagem ao país da Copa
de 2014 e, à cidade das Olimpíadas de 2016, e ao novo momento de crescimento do
país”.
A partir da luta pela
redução das tarifas dos transportes públicos de São Paulo e da repressão
violenta da polícia daquele estado contra os jovens manifestantes, ganhou às
ruas o que a imprensa e as redes sociais “batizaram” de “A revolta do Vinagre” (referindo-se ao uso de vinagre pelos
manifestantes para atenuar o efeito do gás lacrimogêneo utilizado pela polícia
para reprimi-los). Como num “efeito
dominó” as manifestações se espalharam por várias cidades e capitais do
País. Os protestos iniciavam geralmente tendo a redução das tarifas de
transportes como principal reivindicação, mas somavam-se a essa demanda toda
uma diversidade de reclamações e aspirações sociais. E tudo foi “afunilando”
para o questionamento a respeito dos gastos exagerados com a copa das
confederações e com a copa do mundo da FIFA 2013 e 2014.
A bandeira brasileira e
o hino nacional (que inclusive, serviu de inspiração para o “despertar do
gigante” da Johnnie Walker) não se limitavam mais aos jogos da seleção nacional de futebol nas
suntuosas arenas da copa. Um sentimento patriótico tomou conta do povo
brasileiro que passou a apoiar as manifestações reconhecendo nelas um clamor
polifônico contra tudo o que pudesse ser julgado como empecilho à “caminhada do
gigante”. A mídia não entendeu nada. O
governo, menos ainda. E de imediato, o que conseguiram articular como consenso
contra a “desordem” que questionava o “progresso” e ou, a falta dele, foi a
providencial divisão da multidão protestante em “manifestantes” e “vândalos”
(todos aqueles que promovessem qualquer ato de hostilidade em relação ao
patrimônio do estado e ou dos burgueses; ou ainda que não se resignassem diante
das agressões da polícia, da própria imprensa e dos demais órgãos de repressão).
Cabendo aos últimos toda a adjetivação depreciativa possível na nossa língua. E
aos primeiros, a caracterização como cidadãos “ordeiros” e pacíficos que querem
um Brasil melhor.
Ora, mas o Brasil não está melhor?
O vídeo da
propaganda da Johnnie Walker,
no qual o gigante “acordava”, vinha acompanhado por um texto que afirmava:
"No início dos tempos, na
parte sul das Américas, habitava um gigante. Um dos poucos que andavam sobre a
Terra. Gigante pela própria natureza, e sendo natureza ele próprio, era feito
de rochas, terra e matas, que moldavam sua figura. Pássaros e bichos pousavam e
viviam em seu corpo e rios corriam em suas veias. Era como um imenso pedaço de
paisagem que andava e tinha vontade própria. Caminhava com passadas vastas como
vales e tinha a estatura de montanhas sobrepostas. Ao norte, em seu caminho,
encontrava sol quente e brilhante nas quatro estações do ano. Ao sul, planaltos
infindáveis. A oeste, planícies e terras cheias de diversidade. E a leste,
quilômetros e quilômetros de praias onde o mar tocava a terra gentilmente,
desde sempre. Havia também uma floresta como nenhuma outra no planeta. Tão
grande, verde e viva que funcionava como o pulmão de todo o continente à sua
volta. Mesmo diante de tudo isso, um dia, enquanto caminhava, o gigante se
inquietou. Parou então à beira-mar e
ali, entre as águas quentes do Atlântico e uma porção de terra que subia em
morros, deitou-se. E, deitado nesse berço esplêndido, olhou para o céu azul
acima se perguntando: "O que me faz gigante?". Em seguida, imaginando
respostas, caiu em sono profundo. Por eras, que para os gigantes são horas, ele
dormiu. Seu corpo gigantesco estirado, o joelho dobrado formando um grande
monte, uma rocha imensa denunciando seu torso titânico e a cabeça indizível,
coberta de árvores e limo. Dormiu até se tornar lenda no mundo. Uma lenda que
dizia que o futuro pertencia ao gigante, mas que ele nunca acordaria e que o
futuro seria para ele sempre isso: futuro. No entanto, com o passar do tempo
ficou claro que nem mesmo as lendas devem dizer "nunca". Depois de muito sonhar com a pergunta sobre si, o gigante finalmente despertou
com a resposta. Acordou, ergueu-se sobre a terra da qual era parte e ficou de
frente para o horizonte. Tirou então um dos pés do chão e, adentrando o mar,
deu um primeiro passo. Um passo decidido em direção ao mundo lá fora para encontrar
seu destino. Agora sabendo que o que o faz um gigante não é seu tamanho, mas o
tamanho dos passos que dá. (Blog “Escritos Perdidos”:
http://www.escritosperdidos.com/2011/10/propaganda-da-johnnie-walker-acorda-o.html#ixzz2ZPR1r7M8).
Os dias que se seguem
são de múltiplas inquietações, de uma instabilidade política generalizada e de
muitas incertezas em relação ao futuro da nossa democracia. Como ficarão os
partidos políticos, o congresso nacional, os governos, a justiça, a mídia, as polícias,
os governantes, os cidadãos, os “vândalos”, as redes sociais, as universidades;
como ficará o Brasil depois do “despertar” e da “ressaca” do “gigante”?
Tentaremos, dialogando
com T.H. Márshall em “Cidadania, Classe Social e Status” e José Murilo de Carvalho em “Cidadania no Brasil – O longo caminho”,
refletir mais profundamente sobre os desafios que nos esperam. Que certamente
fazem parte dos hercúleos desafios da Democracia Contemporânea.
Para José Murilo de
Carvalho, o esforço de reconstrução,
ou - observa o autor – construção, da
democracia no Brasil, teria ganhado arrebatamento após o término da ditadura
militar, em 1985. O autor afirma que um dos marcos desse esforço brasileiro é a
importância que ganhou a palavra Cidadania
que, para Carvalho, teria inclusive substituído o próprio povo na retórica
política. José Murilo de Carvalho observa que no Brasil, “a cidadania virou gente” (P.07). E que não se fala “o povo quer isto ou aquilo” (idem), mas
sim, “a cidadania quer” (ibidem). No auge do entusiasmo cívico,
afirma o autor, “chamamos a Constituição
de 1988 de Constituição Cidadã”.
“A
cidadania quer”!
Cidadãos “ordeiros”, até
certo ponto resignados, sem liderança hierárquica, de organização difusa, com “palavras
de ordem” polifônicas; e misturados no grande caldeirão da Multidão (para ficar com um termo empregado por Michael Hardt e Antonio Negri no seu livro Multidão: Guerra e
Democracia na Era do Império, Editora
Record, 2005) aparentemente, não correriam um certo
risco de corroborar, mesmo que involuntariamente, com o deslocamento do
“querer” do povo (quanto sujeito de
vontades e direitos) para a cidadania
(como abstração política e social de um “querer” sem sujeito constituído ou
objetivamente atribuído)? É importante refletirmos sob a luz do pensamento de
Carvalho, tendo em mente o que pudemos perceber de tentativas, seja da mídia,
dos partidos ou do governo, de atribuir certas características, representações,
discursos e motivos às manifestações de rua à revelia dos próprios
manifestantes. Ao mesmo tempo em que ocultavam reivindicações e posturas que
pudessem de alguma forma ameaçar ou constranger os seus próprios interesses e
visões. Afinal, a rede Globo não deu voz aos protestos contra a manipulação que
ela própria faz da opinião pública; contra o seu papel de agente das elites
locais e internacionais denunciada amplamente pelos manifestantes; ou em
relação às acusações de sonegação de impostos que muitos denunciam que ela
pratica. E tampouco o SBT (Sistema Brasileiro de Televisão) ou a Rede Record
apresentaram os ataques às suas unidades móveis e o repúdio aos seus repórteres
como uma insatisfação do povo em relação às suas práticas consideradas pouco
democráticas e tendenciosas. Os diversos governos estaduais, municipais e o
governo federal, também não deram ênfase “às vozes das ruas” que consideravam
inadequadas e até imorais as suas priorizações dos grandes eventos esportivos
em detrimento de áreas sociais como saúde, educação, moradia e mobilidade. Mas
sim, se comportaram como se o alvo dos protestos fossem outros, que não as suas
práticas. E ao mesmo tempo, todos (Governos, mídias, parlamento, justiça, etc.)
trataram de atribuir sua própria lista de prioridades e demandas urgentes às
manifestações. A mídia chamava para a “cidadania” e para o “não vandalismo” e
procurava direcionar os protestos para um maior desgaste do governo federal, do
congresso e, das organizações identificadas com a esquerda governista. A
justiça (em especial o Ministério Público) tentava apontar a corrupção como alvo principal. E ganhou
“de brinde” a derrubada, sem a reflexão necessária, da PEC (Proposta
de Emenda à Constituição) 37 que visava regulamentar a sua atuação.
O governo federal apressou-se em interpretar o “clamor das ruas” como o desejo
de uma “reforma política popular e democrática”, reforma essa que nem Lula em
seus dois mandatos ou Dilma, na sua já quase finda gestão, conseguiram fazer. E
apresentou a proposta de realização de um plebiscito sobre a tal reforma como
atendimento objetivo deste clamor. Os partidos e movimentos alinhados com a
esquerda governista também foram às ruas para, entre reivindicações
corporativistas e salariais, buscar o direcionamento das energias mobilizadas
pela multidão, para o apoio à proposta de plebiscito do governo federal e, para
o próprio projeto político representado por esse governo e ameaçado pela ação
das oposições,
e pela própria instabilidade conjuntural. As organizações e o pensamento de
direita e ou conservador do País, perplexo, e sem base social mobilizável para
a conjuntura posta, tentava infiltrar-se inflando os sentimentos anti-partido;
a criminalização dos movimentos sociais; o desgaste das instituições
democráticas; os preconceitos e discriminações contra a diversidade; o aumento
das penas; e a redução da maioridade penal. Quanto ao Povo, aparentemente
reduzido a Cidadania, vai fazendo barulho, se reacostumando às mobilizações, se
sentindo mais cidadão e tentando assegurar, pelo menos, alguns dos seus
“Quereres” em meio a um “oceano de manipulações”. E de objetivo mesmo, por
enquanto, só alguns centavos de redução nas tarifas dos transportes públicos. O
que já é alguma coisa! E a luta continua.
“Com
crise se cresce”! Esta máxima deveras
otimista, da qual, o Sistema Brasileiro de Televisão (SBT) usou e abusou nos
anos 1990 quando o Brasil reconhecidamente encontrava-se mergulhado em grandes
dificuldades, poderia ser aplicada à nossa jovem, e agora, agitada democracia?
Carvalho afirma na
página número oito, do seu, “Cidadania no
Brasil – O longo Caminho” que não há indícios - apesar da perda de
credibilidade dos políticos e dos partidos e do congresso; e de todo o desgaste
que os mesmos enfrentam – de nenhum saudosismo em relação a regimes
autoritários como a funesta ditadura militar que tanto mal fez ao nosso País e
a democracia da nação. O povo brasileiro parece disposto a conservar e, se
possível, ampliar todos os seus direitos civis, políticos e sociais e em meio a
tantos questionamentos referentes às instituições democráticas do País, a
“consciência cidadã” procura se fortalecer. Em meio a tantas crises, a democracia
parece crescer.
Um “mal-estar” tomou
conta de organizações históricas e de antigos militantes da democracia
brasileira - quando estes assistiram certa “defenestração” dos partidos
políticos e de organizações tradicionais de esquerda que tanto contribuíram
para a conquista e manutenção da vida democrática no País – nas diversas
manifestações ocorridas no Brasil. Para José Murilo de Carvalho, “os direitos políticos têm como instituição
principal os partidos e um parlamento livre e representativo. São eles que
conferem legitimidade à organização política da sociedade. Sua essência é a
ideia de autogoverno” (P.10). Essa percepção de que parte do conjunto de
sustentação dos direitos políticos e da legitimização da organização política
da nossa sociedade estaria sendo ameaçada pela ojerização dos partidos pelos
manifestantes, deve estar na base do “mal-estar” e das preocupações que se pôde
ver e sentir recentemente no Brasil em relação a nossa democracia.
Mas,
para tentarmos ir ainda mais fundo na compreensão dos acontecimentos que
envolvem os partidos políticos brasileiros e seu enorme desgaste junto à
opinião pública e aos cidadãos, devemos analisar com mais atenção, a trajetória
do maior partido de massas do País, o Partido dos Trabalhadores (PT). E devemos
fazê-lo “bebendo na fonte” do pensamento de T. H. Marshall.
Marshall,
com o seu “sistema que preservaria os elementos essenciais de um mercado livre”
(P.60), aceitava uma ampla gama de desigualdades sociais quantitativas e
condenava as desigualdades qualitativas entre o homem, que devido a sua
ocupação, pudesse ser um cavalheiro e aquele, que não o fosse. Ou seja, de
certa forma, o autor falava de um “embrutecimento” do trabalhador operário que
devido às suas funções profissionais não tinha como “civilizar-se”, tornar-se
“cavalheiro”, um “gentleman”. Marshall convivia bem com as desigualdades
materiais entre as classes sociais e, defendia uma maior igualdade, ou pelo
menos, uma distância menor, em se tratando da educação e da sofisticação dos
hábitos e comportamentos cotidianos e sociais. Este autor que não via com
simpatia a intromissão do Estado na vida social abria uma exceção quando se
tratava de educação. Marshall considerava que a educação era, em suas palavras,
“um objeto apropriado de ação por parte do Estado... um serviço de tipo único”
(P.73). Essa deferência toda pela educação derivava da visão de Marshall de que
“O dever de autoaperfeiçoamento e de autocivilização é, portanto um dever
social... porque o bom funcionamento de uma sociedade depende da educação de
seus membros” (P.74). Para Marshall, a
cultura seria uma unidade orgânica da nação. Marshall trabalhou como objetivo
principal a cidadania e seu impacto sobre a desigualdade social, atribuindo à
classe social um lugar secundário em seu, Cidadania, Classe Social e Status. O
autor via a cidadania como um atenuante das desigualdades de classe e enxergava
a educação como fundamental na conquista, manutenção e aperfeiçoamento da
cidadania.
“Não
há dúvida de que, no século XX, a cidadania e o sistema de classe capitalista
estão em guerra” (Marshall, Cidadania, Classe Social e Status, P. 76).
Para
Marshall, a Cidadania
é “um status concedido àqueles que são membros integrais de uma
comunidade”, no qual “todos (...) são iguais com respeito aos direitos e
obrigações”.
O status único de
cidadania teria oferecido o fundamento da igualdade sobre a qual a estrutura da
desigualdade foi edificada no capitalismo. E assim sendo, os diversos direitos
civis, políticos e sociais relacionados com a cidadania, seriam, na verdade,
necessários para a manutenção da própria desigualdade social de classe.
Entender a forma com
que Marshall trata a cidadania, a desigualdade e o papel do status como sendo
de certa forma, um tipo de degrau intermediário que até mesmo os mais
explorados e subalternos trabalhadores podem, através da educação, subir
limitadamente no interior da própria classe subalterna. Possibilita-nos
analisar os acontecimentos que levaram a um dado desgaste dos partidos
políticos brasileiros a partir da observação atenta da trajetória do Partido
dos Trabalhadores (PT) e das suas opções e prioridades no governo federal.
Ao chegar
gradativamente ao poder no Brasil, o PT foi tomando gosto pela subida também
gradativa dos degraus intermediários do status. Os operários, trabalhadores, e intelectuais orgânicos (para fazer
menção a um importante conceito de Antonio Gramsci) foram
se profissionalizando na burocracia estatal e nos próprios sindicatos cada vez
mais. A base orgânica do PT foi mudando seu status, se “civilizando”, se tornando damas
e cavalheiros, e se distanciando
culturalmente e socialmente das classes sociais que representavam. O partido
foi perdendo legitimidade junto aos trabalhadores e à população que acompanhava
as mudanças cada vez mais evidentes. Tanto os trabalhadores como o conjunto do
povo brasileiro, ou pelo menos, boa parte dele, considerou as mudanças como
traição de uma história de comprometimento com reivindicações, posturas, lutas,
e defesas de direitos relacionados com o status anterior desses sindicalistas e
políticos do PT e dos demais partidos de esquerda, protagonistas e vítimas da
mesma situação. Isso pode nos fornecer importantes indícios de algumas das
causas mais significativas do desgaste do PT e dos seus partidos aliados aos
olhos do povo brasileiro. Também o envolvimento em casos de corrupção,
negociatas políticas e outros acontecimentos eticamente questionáveis tem por
certo, grande importância nesse processo de desgaste e atinge praticamente todo
o cabedal de partidos políticos do País. Mas até a ética, é possível que seja
fortemente influenciada e relativizada a cada degrau alcançado na escada
“embriagante” do status.
O
governo do PT e das esquerdas governistas também “tropeçou na escada do status”
A grande ênfase dada na
necessidade da educação profissionalizante, os investimentos em medidas
compensatórias e de inclusão econômicas como cotas, e bolsa família, compra de
vagas em universidades privadas e outros programas e projetos do governo federal,
mostram a adesão do governo do PT à visão de Marshall da educação como
ferramenta para melhorar status.
“Não
vejo sinal algum de afrouxamento dos laços que unem a educação à ocupação. Ao
contrário, eles parecem fortalecer-se cada vez mais. Dá-se uma grande e sempre
crescente importância a certificados, matrículas, formaturas e diplomas como
qualificação para emprego, e a validade destes não desaparece com a passagem
dos anos” (P. 100).
E demonstra também o
esforço feito para promover amplos setores da população na “escada” do Status,
como é o caso da polêmica “nova classe média”. É inegável o esforço petista
através dos governos de Lula e Dilma em fortalecer e ampliar os direitos
relativos à cidadania para grupos historicamente excluídos destes direitos como
Negros, Índios, Mulheres, Populações tradicionais, Público homo-afetivo entre
outros. Essa postura em prol do fortalecimento e aperfeiçoamento da cidadania,
novamente aponta a opção, a la Marshall, de investir na cidadania como atenuante
das desigualdades de classe. E trabalhar essa cidadania tanto no nível do
partido, como no nível da sociedade, como esse status único que assegura
direitos e gera uma sensação de emergência e prosperidade em relação ao
conjunto da classe. Sem, no entanto, considerar a compreensão do próprio
Marshall de que esses direitos inerentes à cidadania fornecem a base sobre a
qual, se edifica a própria desigualdade social de classe. E que essa sim, é
material e estrutural.
Ao adotar esse caminho,
o PT abdicou de enfrentar as desigualdades de classe e contentou-se em promover
a cidadania como atenuante destas. Mas, se a cidadania segundo Marshall, “está em si mesma se tornando o elemento
criador da desigualdade social” (P.99). O governo petista não fez outra
coisa, senão, “semear nuvens de tempestade”.
As muitas manifestações
de rua que tomaram o Brasil podem significar que a cidadania brasileira - no
seu papel dialético (no sentido de
Marx) de atenuar e, ao mesmo tempo aprofundar as desigualdades de classe do
capitalismo – pode estar dando sinais de colapso ou mesmo de fadiga. E isso,
pode até não estar, e certamente, não está sendo compreendido pelo povo. Mas é
possível que esteja sendo sentido por esse mesmo povo que luta para ser sujeito
pleno de seus direitos; e não ser reduzido à abstração de “cidadania”. Mesmo
sem saber que esses direitos podem, na verdade, piorar as desigualdades de
classe.
Conclusão
Esta situação sendo
examinada com a ajuda do pensamento de Marshall e de José Murilo de Carvalho,
nos leva a refletir sobre qual seria realmente o grande desafio da Democracia
Contemporânea. Não me julgo com envergadura teórica suficiente para se quer
ensaiar uma resposta adequada. Mas certamente - e principalmente devido à ajuda
elucidatória desses dois autores – eu posso direcionar meu pensamento para a
questão da necessidade de encontrar urgentemente um caminho que leve à
superação das contradições da cidadania no tocante às desigualdades de classe.
E que sem ilusões possamos articular uma nova pratica política que enfrente
aberta e diretamente a estrutura capitalista das classes sociais e toda a
desigualdade dela derivada. Se nossa democracia não superar os limites, do
ingênuo, e ou cínico, combate paliativo das desigualdades qualitativas. E não
avançar decididamente contra as desigualdades quantitativas. Não nos livraremos
desse destino de “Mito
de Sísifo”,
a que a cidadania parece nos condenar.
Por Johnson Sales.
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