Suas últimas palavras foram dedicadas ao desprendimento para com todos os bens materiais que agora seriam divididos entre os seus familiares. O "espólio" menor de uma vida vivida na altura do mais platônico dos banquetes. Lembrava cada coloração capilar que gruadara-se em seu suor durante todas essas décadas. Cada música, letra e melodia; cada sabor: Amargo, adocicado, agridoce, estranho ou peculiar de toda aquela extensa vivência etílico-social passada em tavernas, botecos e quartos de hotéis suspeitos. Vivera muito e da forma que desejara. Não tinha porque lamentar o destino que o jogara numa cama acometido de cirrose hepática e de uma pneumonia chata e fatal. Tudo isso, essa sorte, demasiadamente severa, às vistas dos outros, representava para ele, o pequeno e suave preço a pagar pela vida de gozo e plenitude da qual pudera desfrutar.
Viver é uma arte multifacetada e complementar à nobre arte de falecer. Essa havia sido uma das principais "filosofias" que norteara toda a sua existência. E talvez por isso mesmo, desempenhara nos seus últimos instantes entre nós, o papel elucidativo a cerca de sua dócil e resignada passagem.
E quanto a mim, homem feito, caminhando para a meia-idade entre incertezas, inseguranças e determinadas covardias menores. Me vi mexido, balançado pela integridade meta-moral daquela vida plena que se estendeu por tantos recantos desse mundo e praticamente passou despercebida devido a nossa desatenção para com às existências filosóficas e tão bem auto-examinadas, de seres especiais como meu bisavô.
Mas, surpreendentemente, não me passou pela cabeça fazer comparações geracionais e ou perguntas vulgares do tipo: Será que ainda se fazem homens assim? De certo, eu intuia que sim.
E isto me fez compreender melhor o que o filosofo Sócrates ensinou ao dizer que "Uma vida não examinada nao merece ser vivida". Neste caso, em especial, o merecimento foi total.
Don Johnson de Sales.
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