"E a democracia não
resulta de intervenções militares e mudanças de regime, nem dos vários modelos
atuais de “transição para a democracia”, que geralmente se baseiam em algum
tipo de caudilhismo latino-americano e se revelaram mais eficazes para criar
novas oligarquias do que para criar qualquer sistema democrático. Todos os
movimentos sociais radicais desde 1968 se têm insurgido contra essa corrupção
do conceito de democracia, que a transforma numa forma de domínio imposto e
controlado de cima”.
Este trecho pertence ao livro
Multidão - Guerra e democracia na era do império. São de lá também os
trechos seguintes:
"Em vez disso, insistem,
a democracia só pode surgir de baixo. Talvez a atual crise do conceito de
democracia decorrente de sua nova escala global sirva de oportunidade para que
retornemos a seu significado mais antigo, como governo de todos por todos, uma
democracia sem “se” e sem “mas” (“A democracia da multidão”).
"Os movimentos que expressam queixas
contra as injustiças de nosso atual sistema global e as propostas práticas de
reforma, constituem poderosas forças de
transformação democrática, mas além disso precisamos repensar o conceito de
democracia à luz dos novos desafios e possibilidades apresentados por nosso
mundo".
"Essa reelaboração conceitual é a tarefa
primordial de nosso livro. Não pretendemos apresentar um programa concreto de
ação para a multidão, e sim tentar elaborar as bases conceituais sobre as quais
se poderá firmar-se um novo projeto de democracia".
O livro de Michael Hardt
e Antonio Negri traz inquietantes reflexões e teorizações que podem oferecer um
importante lastro teórico para compreender e pensar o momento atual que o
Brasil vive. Apreender os significados e significantes dessa aglomeração
inquieta de pessoas, a qual os autores chamaram de Multidão, pode ser
uma das tarefas mais urgentes para quem não quer perder o "trem da
história" nem ficar tentando enxergar as manifestações em curso no Brasil
por lentes ultrapassadas e inadequadas.
A Multidão
"A
multidão é um conceito de classe. As teorias de classe são principalmente duas,
a da Unidade (ligada às teorias de Marx) e a da Multiplicidade (ligada ao
Liberalismo). O pólo da Unidade está associado
à tese de Marx de que na sociedade capitalista há um dualismo entre o
proletariado e o capitalista. Já o pólo da Multiplicidade prega uma pluralidade
de classes sociais. Ambas as teorias são verdadeiras, afinal na
sociedade capitalista há a divisão entre capital
e trabalho, mas a sociedade contemporânea compreende infinitas classes baseadas
em diferenças econômicas, raça, etnia, geografia, gênero, etc. A classe é
determinada não só pela luta de classes como também pela proposta de futuros
possíveis lineamentos de lutas coletivas. Logo a classe não é apenas um
conceito econômico e político, mas um conceito biopolítico. A multidão é
encarada como uma multiplicidade irredutível, baseada nas condições de
possibilidade, dos que podem tornar-se multidão, levando em conta que
tipos de trabalho, formas de vida e localização geográfica não impedem a
comunicação e a colaboração num projeto político comum".
Os autores falam também de "Inteligência
de Enxame":
"Inteligência de enxame
são as técnicas coletivas e disseminadas de solução de problemas sem controle
centralizado, ou seja, são como forças independentes (baseadas fundamentalmente
na comunicação) que focam em um mesmo objetivo sem o estabelecimento de um
modelo global.O ataque em rede parece semelhante ao ataque de um enxame, porém,
ao ser analisada a fundo, a rede é efetivamente organizada, racional e
criativa, diferentemente do enxame. "
“Multidão – Guerra e democracia na era do Império”, de Michael Hardt e Antonio Negri é sem dúvidas
uma leitura recomendável para ajudar na compreensão do fenômeno da multidão que
caminha atualmente pelas ruas das cidades brasileiras e põe "em xeque" as
certezas da nossa jovem democracia, a sobrevivência e função social dos
partidos políticos, a eficácia dos governos, e as verdades de várias gerações
de militantes. Além de reacender ao mesmo tempo, as esperanças e desejos da
elite e também do povo brasileiro, cada um do seu modo e guiado por interesses
conflitantes. A Multidão pode ter soado o gongo da luta de classes no
Brasil, ou simplesmente, gerado para a direita uma oportunidade
inesperada de avançar sobre as poucas e frágeis conquistas dos pobres e
trabalhadores deste País. Seja como for, é um importante momento histórico que
pede estudo, compreensão e ação. E esta obra pode oferecer algumas informações
preciosas para a tarefa de decodificar os estranhos símbolos que emergem das
ruas. Ou se preferir, pode auxiliar na inferência necessária para se apreender
o máximo de conteúdo dessa obra política em construção. Eu recomendo o livro Multidão.
Boa leitura!
Por Johnson Sales.