Em algum remoto rincão do universo cintilante que se derrama em um
sem-número de sistemas solares, havia uma vez em que animais
inteligentes inventaram o conhecimento. Foi o minuto mais soberbo e mais
mentiroso da "história universal": mas também foi somente um minuto.
O intelecto, como um meio para a conservação do indivíduo, desdobra suas forças mestras no disfarçe.
No homem essa arte do disfarçe chega a seu ápice; aqui o engano, o
lisonjear, mentir e ludibriar, o falar-por-trás-das-costas, o
representar, o viver em glória do empréstimo, o mascarar-se, a convenção
dissimulante, o jogo teatral diante de outros e diante de si mesmo, em
suma, o constante bater de asas em torno dessa única chama que é a
vaidade, é a tal ponto a regra e a lei que quase nada é mais
inconcebível do que como pôde aparecer entre os homens um honesto e puro
impulso à verdade.
O mentiroso usa as designações válidas, as palavras para fazer aparecer o
não-efetivo; o que odeiam, no fundo não é a ilusão, mas as
consequências nocivas, hostis, de certas espécies de ilusões.
O que é uma palavra? A figuração de um estímulo nervoso em sons.
Acreditamos saber algo das coisas mesmas, se falamos de árvores, cores,
neve e flores, e no entanto não possuímos nada mais do que metáforas das
coisas, que de nenhum modo correspondem às entidades de origem.
Todo conceito nasce por igualação do não-igual. O conceito é formado
pelo arbitrário abandono das diferenças individuais, por esquecer-se do
que é distintivo, e desperta então a representação. A desconsideração do
individual e efetivo nos dá o conceito.
O que é a verdade, portanto? Um batalhão móvel de metáforas, metonímias,
antropomorfismos, enfim, uma soma de relações humanas, que foram
enfatizadas poética e retoricamente, transpostas, enfeitadas, e que,
após longo uso, parecem a um povo sólidas, canônicas e obrigatórias: as
verdades são ilusões, das quais se esqueceu que o são, metáforas que se
tornaram gastas e sem força sensível, moedas que perderam sua efígie e
agora só entram em consideração como metal, não mais como moedas.
Tudo o que destaca o homem do animal depende dessa aptidão de liquefazer
a metáfora intuitiva em um esquema, portanto de dissolver uma imagem em
um conceito. Cada metáfora intuitiva é individual e sem igual e, por
isso, sabe escapar a toda rubricação. O conceito é somente um resíduo da
metáfora.
Nietzsche.
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