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quarta-feira, 15 de maio de 2013

SOBRE VERDADE E MENTIRA NO SENTIDO EXTRA-MORAL

 
Em algum remoto rincão do universo cintilante que se derrama em um sem-número de sistemas solares, havia uma vez em que animais inteligentes inventaram o conhecimento. Foi o minuto mais soberbo e mais mentiroso da "história universal": mas também foi somente um minuto.

O intelecto, como um meio para a conservação do indivíduo, desdobra suas forças mestras no disfarçe.

No homem essa arte do disfarçe chega a seu ápice; aqui o engano, o lisonjear, mentir e ludibriar, o falar-por-trás-das-costas, o representar, o viver em glória do empréstimo, o mascarar-se, a convenção dissimulante, o jogo teatral diante de outros e diante de si mesmo, em suma, o constante bater de asas em torno dessa única chama que é a vaidade, é a tal ponto a regra e a lei que quase nada é mais inconcebível do que como pôde aparecer entre os homens um honesto e puro impulso à verdade.

O mentiroso usa as designações válidas, as palavras para fazer aparecer o não-efetivo; o que odeiam, no fundo não é a ilusão, mas as consequências nocivas, hostis, de certas espécies de ilusões.

O que é uma palavra? A figuração de um estímulo nervoso em sons.

Acreditamos saber algo das coisas mesmas, se falamos de árvores, cores, neve e flores, e no entanto não possuímos nada mais do que metáforas das coisas, que de nenhum modo correspondem às entidades de origem.

Todo conceito nasce por igualação do não-igual. O conceito é formado pelo arbitrário abandono das diferenças individuais, por esquecer-se do que é distintivo, e desperta então a representação. A desconsideração do individual e efetivo nos dá o conceito.

O que é a verdade, portanto? Um batalhão móvel de metáforas, metonímias, antropomorfismos, enfim, uma soma de relações humanas, que foram enfatizadas poética e retoricamente, transpostas, enfeitadas, e que, após longo uso, parecem a um povo sólidas, canônicas e obrigatórias: as verdades são ilusões, das quais se esqueceu que o são, metáforas que se tornaram gastas e sem força sensível, moedas que perderam sua efígie e agora só entram em consideração como metal, não mais como moedas.

Tudo o que destaca o homem do animal depende dessa aptidão de liquefazer a metáfora intuitiva em um esquema, portanto de dissolver uma imagem em um conceito. Cada metáfora intuitiva é individual e sem igual e, por isso, sabe escapar a toda rubricação. O conceito é somente um resíduo da metáfora.

Nietzsche. 

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